Texto: Arhur Martins
A arte é a linguagem universal. Ela comunica em qualquer cultura e qualquer idioma, do Ocidente ao Oriente. Deus comunicou Seu dom criativo ao homem, e por meio da beleza, comunicamos de maneira cativante nossos pensamentos, emoções, compromissos, filosofias, expectativas e amores. A arte é inalienável e inevitável. Enquanto o ser humano estiver vivo, ele continuará a portar a imagem divina, mesmo caído, e a arte não deixará de fluir, diretamente do coração.
É por isso que tenho considerado árduo o trabalho de selecionar conteúdo de entretenimento que não roube minha pureza, minha paz de espírito e não corrompa minhas percepções da realidade. Somente essa afirmação pode parecer radical demais para alguns. “Nossa, mas tem tanta coisa boa! Você deve ter sérios problemas...”
É impossível não apreciar a criatividade humana. Um cristão zeloso pode muito bem tentar eliminar a expressão artística do seu radar em uma busca sincera, mas ignorante, por pureza. Ela é tão natural quanto a própria audição. Por outro lado, há ainda o cristão que considere a produção artística apenas como um espaço de expressão pessoal.
Mas a arte é muito mais que isso. Ela expressa o que o artista ama, o que está buscando e onde está sua esperança.
A ideia de que a arte é neutra, autônoma, desprovida de ética ou inclinação religiosa é uma grande tapa-olho de pirata. Demonizar o que não é sacro (representação do Plano Redentor em Jesus) é anti-bíblico. Mas considerar inofensiva a produção que não seja agressiva, também é "comer marmita vencida".
A arte não é só uma expressão das impressões que outra pessoa tem sobre a realidade, mas toda arte FAZ ALGO a quem a aprecia.
Não somos apenas informados pela arte, mas formados. Por isso, é profundamente devocional selecionar a frequência e o conteúdo da arte que eu aprecio.
Todo autor vai imprimir na sua criação as virtudes que carrega, os ideais que o movem, a narrativa que guia sua vida, representar o que reprova e o que aprova, o que considera bom, e o que considera ruim. Toda obra é uma pregação, mesmo que sejam aquelas "ralinhas", "leitinho", estilo teologia coach.
Nenhum ser humano está “terminado” e embora haja um ímpeto natural do homem e da mulher afirmarem que “não são influenciáveis”, isso não passa de vaidade, e de uma pretensa autonomia do pensamento pós-moderno. Quem se diz autônomo e indiferente, na verdade, apenas esconde suas influências, querendo crédito pelo trabalho de outro.
Eu não sei nada sobre o autor da série norte-americana This is Us, mas vou fornecer uma modesta lista do porquê pode ser salutar assistir a essa série.
Mantendo em mente que o conteúdo que você consome sempre molda teus desejos, pensamentos e ambições.
a) Ela representa os vínculos familiares como preciosos e dignos de compromisso (talvez seja por isso que faça tanto sucesso, já que todos anseiam por relacionamentos de verdade em uma era do individualismo);
b) apresenta as falhas de caráter dos personagens principais e destaca o perdão como uma opção válida ainda hoje;
c) algumas falhas de caráter são duramente reprovadas e seguidas por um tipo de redenção do personagem;
d) não incita estímulos sexuais, embora mostre a imoralidade de alguns, e “pinta” o amor fraternal (não-lascivo) como desejável e alegre;
e) contém diálogos matrimoniais profundos de modo sincero e sem insultos, evidenciando a majestade da confidencialidade no casamento;
f) os personagens são humanos (com exceção de um que é endeusado por todos - mas quase todos nós conhecemos alguém que ocupa esse papel na vida real);
g) lida com os problemas da vida comum com esperança;
h) mostra a vida em família como uma fonte de alegria e realização.
Se considerarmos que a “a arte oferece uma interpretação da realidade” (Hans Rookmaaker), notaremos que This is Us apresenta uma sapientia, uma sabedoria da vida familiar. O seriado não é apenas uma scientia, um relato de dados como num documentário, mas no mínimo, um convite à vida familiar.
Tudo ocorre no entorno da família, e especialmente a fraternidade é celebrada. Se formos escolher o que apreciar e nos deleitar, precisamos que seja algo de elevado nível estético, caso contrário não cumprirá sua função. A beleza traz descanso. E quando procuramos algo belo, queremos repousar. Porém, será de maior proveito a nós que seja algo belo, e que nos estimule ao amor e à apreciação da experiência familiar.
Arthur Martins é pastor na República - Igreja Presbiteriana em Curitiba, PR. É casado com Marô Vasques.
Incrível análise, e considerações sobre o papel da arte na vida.
Excelente!!!!!!
Muito bom!