Texto: Felipe Bartoszewski
Qual a relevância da Reforma Protestante para os cristãos contemporâneos? Existe pouca discordância sobre a importância do movimento cristão, ocorrido há cerca de cinco séculos e que remete a nomes de homens como Martinho Lutero, João Calvino, John Huss, dentre outros.
Não se trata apenas de uma relevância histórica, que deve ser somente lembrada e celebrada pelos cristãos. Celebrar o que aconteceu é necessário, mas quando nos referimos à importância da Reforma, somos chamados a ir além de colocá-la em um memorial. Nosso segundo chamado é reconhecer que a relevância desse movimento foi incalculável para o curso do cristianismo e da própria História.
Depois dos acontecimentos narrados nos Evangelhos e no livro de Atos, a Reforma Protestante se destacou como a maior contribuição cristã no que se refere ao impacto direto no povo de Deus e na estrutura da sociedade.
O mundo ocidental certamente não seria o mesmo se apagássemos esse evento das páginas da História; e seria uma tentativa prepotente colocar em poucas linhas sua real importância. Certamente faltaria espaço para enfatizar a relevância teológica que o esclarecimento e a sistematização das principais doutrinas da Bíblia alcançaram com esse movimento.
O que dizer da ressurreição do conceito de que o cristianismo é uma fé que vai além do campo da religião, alcança e transforma todas as dimensões da esfera social e pública?; e não podemos deixar de mencionar que a biografia dos principais Reformadores, carregada de um exemplo de fé, ímpeto e amor pelo Evangelho, certamente ocuparia espaço em inúmeros livros, tais como é visto nas obras de historiadores que narram a vida desses homens. É por isso que, diante de tantos caminhos que podemos usar para enfatizar a importância da Reforma, vamos nos deter a apenas um:
A Reforma serve de modelo para enfrentarmos os atuais desafios e dilemas que o cristianismo está vivenciando.
Os séculos XV e XVI foram marcados por dois fatores relevantes. O primeiro foi de caráter religioso. O catolicismo era a principal religião no Ocidente e exercia domínio e influência em todas as esferas sociais. Apesar de tamanha influência, as grandes marcas registradas eram os desvios morais, abusos de autoridade e uma completa incoerência no que se refere ao padrão bíblico de como a Igreja deveria impactar uma sociedade.
Paralelo a isso, um outro grande movimento estava surgindo, conhecido como Renascimento, que foi considerado o ressurgimento do pensamento e da filosofia grega, promovido como uma forma alternativa de pensar e de ver o mundo, contrapondo a forma estabelecida pela Igreja. O mau testemunho, praticamente generalizado, da Igreja, abriu portas para que estudiosos e pensadores não cristãos “reconfigurassem” a maneira de interpretar a origem da vida, sentido da existência e curso da História.
Em certo sentido, vivemos o mesmo contexto nos dias atuais. A Igreja está em débito para com a sociedade no que se refere a um testemunho coerente com sua fé, de sorte que, como cristãos, estamos fornecendo a caneta e o cartaz para que pensadores e filósofos atuais escrevam em letras garrafais: “o cristianismo não funciona. É irrelevante e, acima de tudo, é um mal para o bem da sociedade”.
Uma nova narrativa contra o Evangelho está se estabelecendo com firmeza sem precedentes. O grande problema é que muitos líderes cristãos têm comprado a ideia de que o cristianismo não funciona nos moldes bíblicos, tradicionais e históricos, fazendo com que a própria fé cristã seja "repensada". Ao invés de resgatar a pureza do Evangelho, ele está sendo adulterado com filosofias anticristãs, para que possa apresentar uma forma menos ofensiva aos opositores de Deus, da Bíblia e de seu povo.
Ao invés de corrigir os problemas à luz das Escrituras, para que os dilemas relacionados à política, família e sociedade possam ser respondidos em conformidade com o Evangelho, o que ocorre é a tentativa de remoldar o cristianismo aos padrões estabelecidos pela sociedade atual.
É nesse ponto que a Reforma Protestante nos serve de modelo. Da mesma forma que, quando uma máquina não está funcionando bem, ninguém tenta mudar o manual de instruções para que ela volte a funcionar corretamente; antes, identifica e corrige a má operação à luz do manual. Os Reformadores foram capazes de questionar a infalibilidade da Igreja, sem questionar a inerrância das Escrituras. O principal pressuposto da Reforma foi o fato de que a Igreja precisava ser corrigida e a Bíblia precisava ser exaltada. Jamais o contrário!
Enquanto os pensadores renascentistas estavam apontando para os pais da filosofia grega como forma correta de interpretar a vida, o mundo e a sociedade, os Reformadores estavam apontando para o ensinamento dos apóstolos e pais da Igreja como a forma pela qual o mundo e seus dilemas devem ser vistos e enfrentados. A Igreja foi corrigida porque o padrão original foi exaltado, e não porque foi redefinido. Os Reformadores convidaram a Igreja a amoldar-se à Bíblia, e na medida em que os cristãos atendiam a esse apelo, o mundo foi impactado.
Não se tratou de um movimento de substituição, mas de restauração. A Igreja foi atualizada na medida em que a Bíblia ia sendo contextualizada com as questões atuais.
Se ignorarmos a relevância das perguntas que o mundo tem feito em relação aos grandes dilemas causadores de caos e desordem na sociedade, estamos sendo arrogantes e omissos em relação à nossa responsabilidade de dialogar com os problemas do mundo. Da mesma forma que a inquietação e indignação dos primeiros renascentistas eram legítimas, há questões que estão sendo levantadas atualmente que merecem a nossa atenção. Mas se presumirmos que as respostas para esses dilemas estão no homem e no pensamento humanista, de modo que elas devem alterar a essência do Evangelho e questionar a relevância das Escrituras, estamos sendo mais arrogantes ainda, por achar que o mesmo homem que é capaz de instalar o caos no mundo, também é capaz de reordená-lo.
O mundo tem levantado questões relevantes, mas só o Evangelho tem as respostas apropriadas. A motivação para o surgimento da Reforma Protestante e seu prosseguimento ensina que não podemos fechar os olhos para nossas mazelas enquanto povo de Deus, e nem tapar os ouvidos para o clamor da sociedade que vive no caos. A Reforma instrui-nos também para o fato de que a resposta está em exaltar o santo Evangelho, e não em amoldá-lo ao mundo.
Enquanto Cristo não completar sua Obra de Redenção, a Igreja sempre será questionável, mas a Palavra de Deus sempre será um padrão inalterável, com toda a supremacia e suficiência para restaurar o mundo e trazê-lo ao soberano e bondoso governo de Deus.
Sola Scriptura.
* Hoje comemoramos os 503 anos da Reforma Protestante. Um movimento cristão do século XVI, liderado por Martinho Lutero e simbolizado pela publicação das 95 teses no dia 31 de outubro de 1517.
Felipe Bartoszewski é empresário e fundador da Escriba Couro. Casado com Juliana, é pai da Helena e da Giovana. Serve como diácono na Família dos que Creem, em Curitiba - PR.
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