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A Comunhão não é Cultivada por Afinidade

Texto por: Felipe Garrote


Fotografia: Hannah Busing


A disciplina da comunhão é um ambiente onde a fome por Deus é cultivada e preservada. Precisamos ter clareza de que não existe comunhão fora de Cristo, logo a nossa união com Cristo é o que possibilita nossa fome da comunhão com Deus. Porque estarmos unidos em Cristo, temos comunhão com Deus e podemos ter comunhão uns com os outros.


Neste texto, desejo abordar três pontos centrais que são dependentes uns dos outros: A união com Cristo – o espírito da comunhão; a comunhão com Deus; e a comunhão uns com os outros.


Por meio das Escrituras percebemos a comunhão trinitária sendo real em toda eternidade.

Ao criar e plantar nossos pais no Jardim, como nossos representantes, o Senhor os cria, conforme o Catecismo de Westminster, com o fim último de glorificá-lo e gozá-lo para sempre; e concede ao homem o desfrute de uma comunhão direta e plena consigo e um com o outro.


O pecado, entretanto, trouxe separação entre o Criador e as criaturas, e também entre as próprias criaturas. Mas. louvado seja Deus que a história não acaba aqui! O Senhor nos reconciliou consigo e uns com os outros para comunhão.


Fiel é Deus, pelo qual vocês foram chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor (1 Coríntios 1.9).


A união com Cristo - o espírito da comunhão.


A representação bíblica da salvação pode ser resumida como a união com Cristo em sua vida, morte, ressurreição e glorificação. É o processo pelo qual os redimidos são resgatados de uma vida marcada pela oposição a Deus e atraídos para uma vida definida pela reconciliação com ele. Algumas passagens bíblicas que nos asseguram a respeito desta realidade:


Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio do nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual obtivemos também acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes (Romanos 5.1-2a).


Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo. Antes da fundação do mundo, Deus nos escolheu, nele, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele. Em amor (Efésios 1.3-4).


Como se dá a nossa união com Cristo?


Mediante a fé em Cristo Jesus somos unidos a Cristo “de forma mística”. Esta “união mística com Cristo” é a obra do Espírito Santo, que aplica a obra salvífica de Cristo na nossa vida.

É através/no/pelo Espírito que somos unidos a Cristo. Somente a fé é o que nos une ao nosso Senhor Jesus Cristo e isso é dom de Deus.

A nossa união com Cristo não se dá apenas no aspecto individual, mas também no coletivo. Ou seja, o Senhor não atrai pra si apenas indivíduos isolados, ele atrai pra si um povo, ele salva indivíduos e os inserem no seu corpo, os adotam à sua família.


Os nossos olhos são abertos e diante da luz vemos a realidade verdadeira. Todavia o pecado corrompeu este propósito em nosso coração, nos levando a nos saciarmos com as coisas criadas ao invés do Criador:


Como está escrito: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus (Romanos 3.10-11).


Ou seja, nos extraviamos totalmente. Precisamos entender que talvez antes de orarmos por mais fome de Deus, precisamos orar arrependidos das outras coisas com que temos nos alimentado e que tem roubado nossa fome por Deus.


Enquanto o pecado nos rouba a fome por Deus, o dom gratuito de Deus gera em nós fome por aquilo que é eterno, ou seja, ele transforma o nosso anseio, o nosso paladar pelas coisas deste mundo e produz em nós fome, prazer e satisfação naquilo que é eterno, no próprio Cristo.



A comunhão com Deus.


Deus, que em si há plena comunhão, decidiu de acordo com a sua santa vontade se revelar a nós. Ele desejou partilhar de si conosco e nos permitiu participarmos da sua natureza santa; decidiu nos unir a Ele, bem como em sua missão. Logo, nós que cremos no evangelho estamos unidos no Espírito através do Filho ao Pai e esse relacionamento nos leva à realidade de gozarmos dessa tão gloriosa comunhão.


Mediante a fé em Jesus Cristo somos unidos com Ele e temos comunhão com Deus. Ou seja, esta comunhão pode existir porque Deus tomou a iniciativa de nos trazer a um relacionamento correto com ele por meio da Sua aliança.


O Senhor não apenas nos chama à comunhão, como estabelece meios que possibilitem o nosso crescimento em comunhão. Isso nos é dado por graça e carrega consigo grande responsabilidade.


Podemos perceber, por exemplo, as disciplinas espirituais (Estudo da Palavra, oração, meditação, jejum, caridade, confissão, adoração, comunhão, culto público, serviço, solitude) e os sacramentos (Batismo e Ceia do Senhor) como instrumentos do Senhor para que possamos usufruir das Suas bênçãos.

Nossa comunhão com Deus e uns com os outros não é um ideal a ser alcançado ou algo a ser produzido, mas uma graça a ser desfrutada por todo cristão.

Como a nossa comunhão com Deus afeta nossa fome por Ele?


A comunhão com Deus nos faz crescer no conhecimento dEle, da Sua vontade e de nós, o que produz intrinsecamente humildade em nós, pois reconhecemos que a vida provém de Deus (Ele é a própria vida) e a vida que ele nos concede é para que o conheçamos e cresçamos a sua semelhança. Portanto, desfrutar da comunhão com Deus é bebermos da água que sacia a nossa alma, é encontrar a fonte dos prazeres eternos e isso nos leva a querermos mais deste Deus santo e glorioso que se revelou a nós.


Nisso, nos deparamos com o mistério de Deus, o “já e ainda não”. Encontramos contentamento no Senhor na medida que nos é revelada hoje, mas ainda temos fome.


Porque agora vemos como num espelho, de forma obscura; depois veremos face a face. Agora meu conhecimento é incompleto; depois conhecerei como também sou conhecido (1 Coríntios 13.12).


O apóstolo Paulo expões dois tipos de conhecimento:(1) O conhecimento no agora que é mediado (por espelho);(2) O conhecimento no futuro estado da vida que será direto (face a face).


A comunhão uns com os outros


Nós somos chamados a termos fome não apenas por Deus, mas pelos planos de Deus, pela família de Deus, ou seja, a fome por Deus também produz em nós uma fome por aquilo que Ele ama.

Falar de comunhão uns com os outros é falar da igreja, pois ela existe na comunhão entre os cristãos. Comunhão uns com os outros é, portanto, partilhar, participar da vida e do evangelho de Cristo com nossos irmãos. Nas palavras de F. F. Bruce: “Na prática, estar ‘no Espírito’ é estar ‘em Cristo’ (Rm 8.9); assim, estar ‘no Espírito’ não é questão individualista. Pois estar ‘em Cristo’é estar incorporado em Cristo, é ser membro de Cristo, e é ser co-membro de todos os outros que estão igualmente incorporados em Cristo”.


Que beleza e glória é pertencermos a Cristo e uns aos outros. “Nenhum cristão, e, de fato, nenhum historiador poderia aceitar a expressão que define a religião como ‘aquilo que um homem faz em sua solidão’. Acho que foi um dos irmãos Wesley que disse que o Novo Testamento nada conhece de uma religião solitária. Somos proibidos de negligenciar a nossa reunião em comunhão.” C.S. Lewis


Ter comunhão uns com os outros é vivermos a semelhança do nosso Deus triúno de onde provem a plenitude da comunhão, é testemunharmos de quem Deus é e da Sua gloriosa obra em nossas vidas.


Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; portanto, também nós devemos dar a nossa vida pelos irmãos (1 João 3.16).


Por vezes romantizamos as coisas e precisamos ter em vista que Jesus em Seu grande amor se entregou na cruz por nós, para nos reconciliar com Deus e uns com os outros, por isso temos comunhão. De semelhante modo, por amor ao Senhor em forma de entrega a Ele e uns pelos outro, somos chamados a termos comunhão.


Toda comunhão passa por um lugar de renúncia, de entrega. Jesus se esvaziou e se entregou, da mesma forma nós precisamos renunciar e nos entregar para que possamos crescer em comunhão.


À semelhança de Cristo, precisamos entender que para desfrutarmos da comunhão com Deus e uns com os outros precisamos morrer, negar a nós mesmos, permitir que sejamos feridos, traídos, rejeitados e permanecermos em amor, nisso consiste também o testemunho e o desfrute do amor.


O que não é comunhão?


  • Comunhão não é um meio de salvação. A comunhão não tem como fim salvar o homem. Nós temos comunhão por causa da união com Cristo e é a comunhão que testifica desta união. É um privilégio e uma responsabilidade daqueles que estão em Cristo.

  • Comunhão não é cultivada por afinidade. Alguns vão dizer que tem comunhão com fulano porque se identifica mais, pois há mais coisas em comum. Outros vão fizer que não conseguem se identificar com tal pessoa, pois “o santo não bateu”. Porém o que nos une é Cristo e não alguma outra coisa. A pedra que é o fundamento da comunhão é Cristo, portanto, o que deve haver em comum é Cristo e tão somente.

  • Comunhão não é só compartilhar sobre a nossa vida. Isso por vezes fazemos com colegas de trabalho, amigos, familiares, mas se não há Cristo em comum, não há comunhão. Nestes contextos, existem relacionamentos, mas não comunhão.

  • Comunhão não é churrasco. Por mais que em diversos contextos de comunhão há uma mesa posta, precisamos entender que a comunhão se dá na luz e não necessariamente na mesa. Quantas vezes sentamos, comemos e não desfrutamos de comunhão? Precisamos ter fome por Deus e entendermos que não basta o churrasco.

  • Comunhão não é networking. Muitas pessoas querem ter tempo com pessoas buscando algum benefício que está atrelado com os seus interesses pessoais tão somente e não pelos interesses de Cristo.

  • Comunhão não é comunismo. Existem pessoas que acham que comunhão é ter tudo em comum no sentido de todos venderem tudo o que tem e dividir de igual modo para todos. Porém esta não é a base da comunhão, a comunhão se dá principalmente no partilhar de Cristo.

  • Comunhão não é cultivada fora da verdade. Primeiro, não é possível haver comunhão espiritual entre crentes e incrédulos. A menos que todos creiam no mesmo testemunho bíblico a respeito de Cristo a comunhão não é verdadeira. Porque é sobre Jesus Cristo que a nossa fé é fundamentada e também edificada. Segundo, nossa comunhão se dá na luz, portanto, precisamos ser verdadeiros, sinceros, vulneráveis e etc., para que possamos experimentar de Cristo em nós. Se você não partilha da sua vida com um irmão que está disposto a te ouvir se questione diante de Deus. A comunhão não se dá na solidão, sendo assim, é necessário haver troca.

  • Comunhão não é Instagram. Nas redes sociais gastamos nosso tempo apenas com o que nos interessa; mas a comunhão se dá pelos interesses de Cristo. Somos uma geração muito forte no entretenimento e por vezes nos satisfazemos nisso. Aí quando vamos para comunhão queremos que nossas relações sejam embasadas nisso também; no Instagram partilhamos apenas os sucessos da vida, mas é na angustia que nasce um irmão; O Instagram é um lugar de superficialidade, mas a comunhão é um lugar de entranháveis afetos.


A comunhão ocorre por conta da mediação de Cristo. Um cristão só consegue chegar ao outro por meio de Jesus Cristo, “pois sem ele há inimizade entre nós e de nós para com Deus.” Portanto, por meio da nossa união com Cristo e comunhão com Deus podemos desfrutar de comunhão uns com os outros.


A palavra do Senhor diz que a comunhão se dá na luz! Ter comunhão é andar na verdade, diante do conhecimento de Deus é estarmos em Cristo.

Além disso, a comunhão uns com os outros se dá por meio do amor, do encorajamento, da edificação, do consolo, da exortação, dos louvores, da confissão, do perdão, da bondade, da misericórdia, da intercessão... Amarmos os nossos irmãos de outra forma, se não da forma de Deus é dizer que o amor de Deus não é tão perfeito assim, que sabemos amar melhor.

Vejamos alguns versículos que nos encorajam e exortam a esta realidade:


O meu mandamento é este: que vocês amem uns aos outros, assim como eu os amei (Joao 15.12).


Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo (Efésios 4:32).


E talvez você está lendo tudo isso e não está conseguindo conciliar pois algo tem roubado a sua comunhão com seus irmãos. Talvez seja uma frustração, fofoca, traição, se sentiu usado. Ou ainda o que tem roubado sua comunhão é a falta de comunhão com Deus que te leva a não ter o que compartilhar com seus irmãos.


Lembre-se, pois, de onde você caiu. Arrependa-se e volte à prática das primeiras obras. (Apocalipse 2.5a).


Como a nossa comunhão uns com os outros afeta nossa fome por Deus?


A comunhão e a glorificação de Deus pela igreja acham-se intimamente ligadas e o Senhor nos criou para louvor da sua glória. No culto público, nos reunidos como igreja e desfrutamos de comunhão com Deus e uns com os outros, somos encorajados, exortados e tudo mais.


O quanto a sua vida, a minha vida testemunha e provoca fome naqueles que estão ao nosso redor não só aqui? O que nós estamos comunicando aos nossos irmãos e ao mundo do que é satisfação? O que eles estão lendo na nossa forma de viver, de nos comunicarmos, o que é estar satisfeito?

Por vezes comunicamos: tenha fome por dinheiro, fama, ministério... pelas coisas criadas. Quer ver um exemplo? Se alguém te perguntasse qual o seu maior sonho? A sua resposta comunicaria a sua maior fome.


A nossa resposta precisa ser: Uma coisa peço ao Senhor e a buscarei: que eu possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo (Salmos 27.4).


Precisamos nos encontrar no mistério de Deus do “já e ainda não”. Estamos satisfeitos em Cristo, mas ainda há infinitamente mais, ele é eterno, infinito... Que isso toque nossa comunhão uns com os outros, que isso seja um testemunho ao mundo e redunde em glórias a Deus.


Jesus está no meio da igreja e é porque ele está no meio da igreja que nos reunimos como igreja, é porque ele está no meio da igreja que os cultos não são meros encontros religioso, mas cultos à aquele que é a razão da nossa esperança. Desta mesma forma isso precisa se dar nos de casa em casa, nas mesas, na vida.


E nisso, não apenas nós testemunhamos de Cristo entre nós, como também o mundo pode ver Cristo por meio da igreja.


Que em nossa comunhão possamos nos amar mutuamente no amor de Cristo, testemunhando da realidade de imitarmos a Cristo e colaborarmos com a formação de Cristo em outros. Que possamos “provocar” os nossos irmãos a esta mesma realidade. Encorajando, edificando, consolando, exortando, confessando, perdoando, intercedendo uns pelos outros... Nisso cresceremos a semelhança do nosso Senhor.


Que possamos responder ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e perseverarmos diante dessa realidade de maneira digna do Seu evangelho.



 

Felipe Garrote é casado com Nathalia; possui formação em Publicidade e Propaganda e é Seminarista no Seminário Martin Bucer. Faz parte da igreja Família dos que Creem, em Curitiba, PR.

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