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Há uma música abafada pelos ruídos do teu coração

Texto por: Beatriz Gonçalves Fotografia: Pixabay


Meu marido ama música. Para se ter uma ideia, só em 2019, em sua retrospectiva de final de ano, foram computados mais de 175.000 minutos de reproduções de suas bandas favoritas. Porém, o número impressionante carregava um grande problema: as canções eram um escape para manter os seus pensamentos abafados em sua mente.


Os anos se passaram e seus pensamentos foram acompanhados, compartilhados, tratados e estão sempre sendo sondados. Então, foi a minha vez de recorrer ao barulho externo para não ter que lidar com os meus ruídos internos, as vozes da minha cabeça.


Em especial, no contexto de trabalho, quando algo me estressava ou sobrecarregava, eu já corria pegar o meu fone para dar o play na distração ao invés da auto examinação, no (des)conforto ao invés do confronto e consolo, no barulho ao invés do silêncio.


Essas duas situações, diferente de nossos gostos musicais e assuntos de podcast, contém algo em comum: queremos fugir da verdade de que somos pecadores insuficientes, e que o mundo à nossa volta, infelizmente, ecoa esses mesmos ruídos distorcidos que há dentro de nós.


De forma geral, nós somos assim? Frequentemente, nos queixamos por não ouvirmos a voz de Deus, mas será que silenciamos o nosso eu para que Ele fale? Reclamamos dos relacionamentos rasos, mas será que abrirmos espaço para sermos consolados e confrontados pela verdade em amor?


Qual voz temos ouvido? A voz da correria no trabalho e nos estudos? Do amortecimento que brota do entretenimento moderno? Da autossatisfação, que deve ser buscada a qualquer preço? Da autossuficiência iludida?

Ao taparmos os nossos ouvidos internos com mentiras barulhentas e agitadas, provamos as nossas mentes e corações de cuidado e de crescimento. Assim, passar pela jornada da Páscoa — conhecida como Quaresma — se mostra a melodia ideal, não para apenas abafarmos os nossos barulhos internos — com ecos externos —, mas para nos garantir a superação deles ao os encararmos de frente pelo poder de Jesus Cristo.


Das cinzas à ressurreição


A Quaresma é uma Estação do Calendário Cristão com 40 dias de duração, com início na quarta-feira de cinzas. As cinzas são um símbolo de que assim como o pó, somos frágeis e mortais.


É um período dedicado ao autoexame, ao olhar com sinceridade e honestidade para nós mesmos, reconhecendo que o pecado, o orgulho e a arrogância nos impedem de desfrutar de um relacionamento perfeito com Deus, com o próximo e com a Criação, e de colocar como prioridade em nossas vidas barulhentas a busca pelo seu Reino e pela sua justiça.


Do lamento ao arrependimento


Infelizmente, estamos surdos com nossas rotinas atarefadas e ocupados demais para ouvirmos a triste verdade que a caminhada para a Páscoa nos traz: deste lado da eternidade, somos pecadores miseráveis, limitados e mortais.


Não conseguimos mudar essa realidade; tampouco, ignorá-la por meio de barulhos externos. A Quaresma nos convida a primeiramente reduzir o ritmo de nossas vidas passageiras, para então dar voz ao lamento que frutifica no verdadeiro consolo (Mateus 5.4).

  1. Precisamos lamentar com honestidade, reconhecendo que as nossas apresentações individualistas e autocentradas trouxeram tristes ruídos e barulhos ao concerto de Deus, em nossos corações e à toda nossa volta.

  2. Precisamos lamentar com humildade, Pedindo perdão por apoiarmos nossas agendas em falsos deuses, ao invés de nos humilharmos e reconhecermos nossa dependência do Senhor de nossas vidas.

  3. Precisamos lamentar com vulnerabilidade, reconhecendo que damos ouvidos a uma realidade quebrada, imperfeita e barulhenta ao invés de ouvirmos a voz que acalma todas as tempestades, sejam elas internas ou externas.

Após a confissão, a oração, o choro, o silêncio, o jejum e a reflexão, vem a celebração.

O caminho para a Páscoa, além de nos fazer enfrentar os nossos barulhos, também nos prepara para a Páscoa, para a maravilhosa verdade de que os ruídos da morte não são o fim, mas o verdadeiro começo.

Assim como Jesus, jejuando no deserto, esta temporada de 40 dias nos conduz a peregrinamos no solo árido de nossos corações. Porém, assim como Jesus, contamos com a indescritível companhia do Espírito Santo, que silencia as nossas mentes e corações, nos sustentando e nos alimentando com a sua Palavra.


Cultive e guarde o coração para a celebração da Páscoa:

  1. Silencie os barulhos da rotina, reconhecendo que você pertence ao Senhor e não à sua agenda atarefada.

  2. Jejue em um período, abrindo mão de alimento, refeição ou hábito para que você esteja sensível à voz do Espírito Santo.

  3. Ore pedindo perdão, com o coração arrependido, e abra espaço para que o Senhor fale com você.

  4. Ame ao próximo com seu tempo e atenção, fale menos de você e ouça mais as dores do outro.

A Quaresma é um lembrete de que, apesar desta realidade cheia dos ruídos e ecos dos nossos pecados, podemos, por meio da Obra de Cristo, aplicada pelo Espírito Santo em nossos corações, abraçarmos a esperança de que, enquanto aguardamos a grande Sinfonia Celestial, já podemos desfrutar e ecoar as belas melodias que Deus tem performado em nós e por meio de nós.


Por um lado, buscar abafar os nossos ruídos internos com os barulhos externos, como meu marido e eu fizemos com os fones de ouvido, nos mata aos poucos e nos aliena de Deus, do próximo e da Criação. Por outro lado, reconhecermos que as nossas vidas estão desafinadas e descompassadas, enquanto clamamos auxílio ao Grande Maestro, nos garante relacionamentos harmoniosos e frutíferos que tanto desejamos.


Indicação de canção para esta estação: Silêncio - Fabiano e Jaqueline Krehnke.


 

Beatriz Gonçalves é formada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Gestão de Redes Sociais. Casada com Lucas Gonçalves, faz parte da Igreja Presbiteriana de São Carlos, SP.



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