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Um Treinamento de Espera


Texto por: Fabiano Krehnke Fotgrafia: Tara Winstead


Nossa ansiedade nesses dias tem demonstrado o quanto bem-estar físico e econômico são considerados fins em si mesmos. Envolver-se intencionalmente com a Paixão de Jesus é algo estranho num contexto onde maximizar prazeres e minimizar dores são alvos claramente expressos em nossas preocupações diárias.


A Quaresma tem o objetivo de colocar-nos em uma jornada de identificação com Cristo em seus dias na terra, especialmente em seu caminho de sofrimento, cruz, morte e gloriosa ressurreição. Mais do que apenas um domingo especial, tudo isso faz parte dessa estação que é a Páscoa.

O texto de Êxodo 12 deixa muito claro que a Páscoa é uma cerimônia para as famílias: “cada um tomará para si um cordeiro, segundo a casa dos pais, um cordeiro para cada família”. É um momento oportuno para juntar os membros do lar, que experimentam agora a alegria pelo fim da escravidão e o livramento da morte, mas sabem que lá fora há sofrimento extremo — eles não esqueceram disso.


Há aqui uma responsabilidade interna e externa. No plano de Deus, a melhor base para se experimentar a salvação é a família.

Esse é o núcleo central, a partir de onde o Senhor deseja projetar sua bênção para toda a humanidade. E é parte da responsabilidade humana fazer o que for preciso para que a destruição não chegue ao nosso lar.

No contexto do Novo Testamento, a Páscoa nos posiciona como o povo da ressureição, de forma individual e coletiva, em adoração e missão, relembramos a páscoa e antecipamos o Dia final. A esperança futura dos cristãos primitivos concentrava-se firmemente na ressureição, e para nós não deveria ser diferente!


Para nos reorientar nessa jornada de peregrinação, o calendário cristão é ferramenta essencial. Composto por estações litúrgicas intencionais, alinha nosso coração e calibra-nos para a direção correta através da sabedoria de contar nossos dias (Salmos 90:12); afinal, um discípulo de Cristo, assim como qualquer pessoa, encontra-se no meio do caminho, muitas vezes cansado, mas sempre esperançoso.


Estamos em um treinamento de espera, humilhados com Cristo na jornada da Quaresma, para que possamos ser ressuscitados e exaltados com Ele na Páscoa.

Como diria Peter J. Leithart, “a Quaresma nos diz que horas são — o tempo entre a ressurreição e a ressurreição”. Em dias em que somos inundados com atualizações de notícias sobre o sofrimento e morte causados por pandemias, violência e guerras, a nossa meditação sobre a atual crise se torna fútil se estiver separada da meditação sobre a Paixão e morte do nosso Salvador.


Somente meditando sobre a paixão de Jesus é que nós somos unidos à meditação dele sobre o nosso sofrimento — tudo o que Ele fez foi por nós. Para os cristãos, a morte não é o fim, mas o começo.


A Quaresma é uma longa meditação sobre essa boa notícia.

Existem algumas disciplinas espirituais que todo o cristão é chamado a desenvolver. São práticas saudáveis que relembramos no tempo de Quaresma, calibrando nosso coração novamente para que elas sejam parte do nosso dia a dia.


Quero deixar aqui de forma prática e sistemática, princípios que me motivaram muito quando li há certo tempo um texto de Marcel Cintra no blog lecionario.com. Extraí e os organizei dessa forma, com o intuito de relembrar a importância de tais práticas como parte da formação cristã de todos nós.

  • Jejumdenuncia onde está nosso deleite.

Objetivo: mostrar-nos que às vezes é muito difícil nos abstermos dos prazeres corporais; Lição: ao jejuarmos aprendemos e treinamos o domínio próprio quando nos abstemos de comida, desejos físicos ou outras fontes de prazer. Resultado: domínio próprio que reorienta o nosso prazer para Deus.

  • Oraçãodenuncia onde está nossa confiança.

Objetivo: trazer à tona nossa dificuldade de confiar no Deus que não vemos para resolver problemas que vemos; Lição: a oração nos ensina e treina a perseverança em qualquer situação, não confiando nas variáveis inconstantes das finanças, afetos, política e sociedade, mas aquietando-nos e esperando em Deus. Resultado: perseverança que reorienta a nossa segurança para Deus.

  • Esmolasdenunciam onde está nosso desejo.

Objetivo: fazer-nos ver a dificuldade que temos em desapegar do nosso dinheiro ou dos nossos bens como fontes de nosso deleite e confiança; Lição: quando esmolamos desenvolvemos o contentamento, aprendemos a estar mais satisfeitos com o que possuímos, a ponto de subtrairmos do que temos para que o necessitado seja satisfeito. Resultado: contentamento que reorienta a nossa vontade para Deus.

É tempo de olharmos para dentro de nós, considerando o pecado e o sofrimento como realidades da existência humana.


Precisamos ter consciência de que nosso deleite, confiança e desejo estão desorientados por consequência da Queda, mas também tomarmos postura, já que agora não somos mais escravos da velha natureza.


Podemos usufruir da graça que nos alcançou e ver o Evangelho afetar todo nosso proceder, fazendo nascer domínio próprio, perseverança e contentamento, através destas práticas que redirecionarão nosso prazer, segurança e vontade para Deus.


Foi isso que Jesus experimentou em sua jornada para a cruz carregando os pecados da humanidade, e é isso que nós podemos experimentar agora neste momento presente de peregrinação rumo ao nosso destino final e glorioso — é tempo de identificação com a jornada de Jesus.


(Fotografia: Maxime Horlaville)


 

Fabiano Krehnke é fundador e editor-chefe da Revista CULTIVAR & GUARDAR, juntamente com sua esposa Jaqueline. É bacharel em Teologia, fotógrafo, músico e pastor na Família dos que Creem, em Curitiba, PR.

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