Texto por: Felipe Bartoszewski | Fotografia: Ketut Subiyanto
A paternidade é um tema maravilhoso e, ao mesmo tempo, um assunto que pode trazer à memória lembranças desagradáveis. Isso ocorre porque ela é um elemento que pode ser exercido corretamente, mas que também pode ser alvo de negligência e abusos.
Poucos ofícios têm tanto poder na construção ou deturpação de uma sociedade. É por isso que, ao falarmos sobre esse assunto, precisamos levar em conta nossas experiências pessoais, mas sempre à luz do principio bíblico da paternidade, pois assim teremos a oportunidade de confirmar os elementos corretos em que ela está fundamentada, bem como discernir e reparar as ações que a comprometem.
Deus é Pai, e isso não é apenas um ofício, mas parte da natureza divina. E uma vez que Ele criou o homem à Sua imagem e semelhança, o ofício paterno é um meio pelo qual o homem edifica uma sociedade e assim estende sobre ela a natureza de Deus.
Quando olhamos para os desdobramentos da ação de Deus na História, percebemos que é por meio da paternidade que Deus se move. Ele ordenou que Adão se multiplicasse; salvou a descendência de Noé das águas do dilúvio; começou a história de Israel ao chamar Abraão para ser pai; enviou Jesus à Terra por meio da descendência de um homem que aceitou o chamado de adotar o Filho de Deus.
Deus trabalha com descendência, e o que está implícito nesse conceito é a administração correta do atributo paterno que Deus confiou ao homem.
Da mesma forma, Satanás desenvolve seu plano obstinado de destruir o homem e a Criação por meio da corrupção do conceito de paternidade. Pais irresponsáveis, que negligenciam sua vocação, sempre irão dar à luz a uma geração que carece de referenciais, e que, ao desejar ser significativa no que tange aos planos divinos, terá que empenhar um grande esforço para romper com um legado destrutivo e desentulhar a herança deixada por aqueles que foram relevantes na História.
Os dias atuais são marcados por corrupção generalizada, acentuam uma geração que se opõe a todo princípio pelo qual Deus estabelece um povo e administra o mundo. Paralelo a isso, é notório um programa que, de maneira sistemática e progressiva, esforça-se para neutralizar o papel do homem, anular a aliança matrimonial e questionar a importância da família. Contudo, embora os pessimistas vejam isso como um sinal de desespero, ao atentarmos para a forma como Deus se move, veremos que vivemos num contexto que apresenta uma oportunidade singular.
Antes dos dias de Abraão, Deus estava julgando Babel, projeto oriundo do intento orgulhoso e corrompido do homem em construir uma torre para enaltecer sua força e reputação. O mais inusitado da narrativa de Gênesis é que Deus contrapõe a investida humana chamando um homem para ser pai.
Em dias de corrupção moral, política, social e ideológica, o ofício paterno continua sendo uma ferramenta poderosa nas mãos de Deus e daqueles que desejam formar um povo que vive em contraste com os padrões desse século.
Se nos posicionarmos como pais, daremos à luz a uma geração que será como luzeiro nesse mundo corrompido, a qual irá apontar para o caminho do Evangelho através de sua proclamação e vivência. Precisamos ressaltar para o fato de que a paternidade não é algo acidental, não é algo involuntário. Antes, é uma escolha. Atualmente, um filho nem sempre é desejado, de modo que em alguns casos, filhos podem nascer sem serem gerados por pais que os desejavam.
Filhos podem nascer por acidente, mas pais não. A orfandade nada mais é do que o nascimento de um filho sem o nascimento de um pai.
Enquanto uma mulher está gravida, um pai deve estar sendo formado naquele que plantou a semente nela. É por isso que precisamos escolher ser pais, precisamos escolher dar um referencial de Deus aos nossos filhos. Paternidade é uma escolha, e a questão central não gira em torno do nascimento de um filho, mas da formação de um pai.
Gerar filhos é uma questão biológica, mas ser pai é a escolha mais espiritual e divina que um homem pode fazer na vida.
Essa escolha, evidentemente, não é tão simples, pois muitas vezes ela carrega traumas e um sentimento de despreparo. Biologicamente falando, eu não tive um pai presente, pois só o conheci quando eu tinha 20 anos. Sou testemunha dos efeitos catastróficos que um filho experimenta quando nasce sem ter nascido um pai no coração daquele que o gerou. Mas, no que tange a ser criado por alguém que escolheu ser pai, eis a razão de eu estar vivo para escrever este texto.
Logo que nasci, fui criado pelo irmão da minha mãe, um homem chamado José, que escolheu ser meu pai, ainda que financeiramente não tivesse condição nem de criar a sua filha biológica, que naquele momento tinha 9 anos. Foi ele quem me ensinou a viver; a trabalhar com ferramentas; a cuidar da terra; a acordar cedo e trabalhar para a glória de Deus; a gerenciar as tarefas domésticas; a amar e proteger a esposa e os filhos; e principalmente, a temer a Deus, orar, ler a bíblia e dar a vida pela Igreja. E nesse momento, sou pastoreado e orientado por homens que, mesmo tendo um histórico semelhante ao meu, ousaram romper, à luz do Evangelho, com um legado destrutivo, e se dispuseram a ser pais de filhos, além dos filhos biológicos.
Atualmente, sou pai de quatro filhos. Descobri a gestação da filha mais nova no dia dos pais de 2016. Estou escrevendo este texto no dia do aniversário de 2 anos da filha do meio, e aguardamos ansiosamente a chegada dos gêmeos, que se Deus quiser, ocorrerá daqui a um mês e meio. Mas vale lembrar que não há romantismo em ser pai de muitos filhos. Falta preparo e sobra imaturidade; tempo, recursos e energias são escassos; muitas renúncias acompanham o dia a dia. Mas, sempre que penso em fraquejar quando chegam as consequências da minha escolha, lembro-me dos tantos pais que escolheram fazer parte da minha história. Quando lembro disso, reafirmo minha escolha em ser pai dos meus filhos e a zelar pelo povo de Deus como se estivesse cuidando deles.
Está na moda criticar a atual geração de jovens. É comum ressaltar a fragilidade moral, inconstância e outras anomalias presentes na geração mais nova. Isso deixa claro que já sabemos qual é o problema. Mas será que iremos permitir que nossa crítica nos empurre para um lugar onde iremos trabalhar para restaurar a presente geração, e mais, formar um povo que não seja presa fácil das tendências malignas que influenciam a sociedade atual?
Em dias onde o individualismo e o existencialismo pregam que seremos plenos e felizes por meio das nossas realizações e experiências individuais, vale lembrar que só iremos alcançar a plenitude do cumprimento da nossa vocação e a verdadeira felicidade não quando vivermos em prol dos nossos próprios interesses, mas quando entregarmos a vida pela próxima geração.
Pensar em si mesmo nos torna infelizes, desprepara aqueles que vêm depois de nós e nos distancia da nossa vocação. É por isso que a escolha pela paternidade é um elemento central na formação de uma geração que seja relevante. Se pensarmos em nós mesmos, mataremos a próxima geração e nos tornaremos responsáveis pelo seu processo de degradação, mas se dermos a vida por eles, cumpriremos o nosso propósito e pavimentaremos um caminho seguro a ser trilhado.
Deus está salvando para si um povo cuja vocação é tornar-se semelhante a Jesus Cristo. De sorte que o objetivo final da redenção não é a de nos tornar filhos, mas filhos semelhantes a Cristo, e este está à estatura do Pai. Ser adotado por Deus através do Evangelho implica em estender a paternidade divina por meio do processo de maturação que ocorre como consequência da aplicação do Evangelho em nós. E isso não se refere apenas a ter filhos biológicos ou entrar na fila da adoção. Embora isso também seja importante, a questão principal está relacionada a adotar uma geração (inclusive nossos filhos biológicos e adotados institucionalmente), de se comprometer em dar a vida por um povo, em investir toda nossa vida em prol do desenvolvimento deles.
A paternidade é um atributo divino estendido aos homens, é um meio para a construção de uma sociedade, e um alvo no processo de maturação dos filhos de Deus. Ela tem a ver com o caráter eterno e imutável de Deus, com nossa identidade, com nossa vocação no tempo presente, e com o destino glorioso que nos aguarda quando o Espírito concluir sua obra de regeneração em nós. Portanto, de um lado, o caráter paterno foi dado a nós uma vez que somos a imagem e semelhança de Deus. De outro, seremos semelhantes a Jesus, o qual é semelhante ao Pai. Mas tem um ponto que tem a ver com uma escolha - o aqui e agora.
Paternidade é um elemento que faz parte dos planos de Deus, seja na questão identitária do homem, seja no que se refere ao seu destino final, seja na questão natural ou espiritual.
A paternidade não é um acidente do acaso. Ela faz parte de um programa divino para estender seu caráter à Sua Criação. Deus está envolvido nisso.
Em dias onde o mundo prega que prosperidade é dinheiro no bolso, lembre-se de que prosperidade é ter filhos à mesa. Em dias em que o mundo prega que ter filho dá muito trabalho, lembre-se de que não há trabalho mais honroso. Em dias onde o mundo prega que seremos felizes se pensarmos em nós mesmos, lembre-se de que a verdadeira felicidade consiste em dar a vida em prol da formação do outro.
É por isso que em dias onde o mundo está afirmando que a paternidade é algo difícil ou até banal, precisamos nos lembrar de que ela é algo que faz parte da natureza e da agenda de Deus. Poucas escolhas são mais nobres aos olhos de Deus do que a decisão pela paternidade. É por isso que a pergunta central após essa breve reflexão não consiste no fato de você ter filhos ou não.
A pergunta que quero fazer para encerrar esse texto, e deixar que você reflita sobre ela é: você já escolheu ser pai? Pai de seus filhos, pai de uma geração, simplesmente pai?
Felipe Bartoszewski é empresário e fundador da Escriba Couro. Casado com Juliana, é pai da Helena, da Giovana, do João e do Tiago. Colaborou com a edição amostra (volume 0) da Revista CULTIVAR & GUARDAR. Serve na diaconia e na equipe de ensino da Família dos que Creem, em Curitiba-PR.
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