Texto por: Samuel Palmeira | Fotografia: Naomi Berur
Você se lembra das antigas canções com duplo sentido? Aquelas canções com poesias que abriam margem para diversas interpretações, que faziam as crianças rirem achando graça e que não saíam da boca de quase todo mundo que as escutassem, fosse nos recreios escolares, fosse nos bares ou nas rodas de dominó?
“Na boquinha da garrafa”, “Talco no salão” e “A barata da vizinha tá na minha cama”, dentre outras canções, são exemplos de como há muito tempo alguns compositores se utilizam do humor e do duplo sentido para escreverem suas poesias.
E se em algum momento essas canções feriram os ouvidos mais sensíveis, hoje elas sequer fariam cócegas em nossas orelhas.
Com o passar dos anos, o duplo sentido perdeu seu espaço para canções com letras que explicitamente falam sobre o sexo e que rebaixam o ser humano tal como num filme pornográfico.
Hoje, chegamos ao ponto de essas “pornocanções” já não ferirem muitos dos ouvidos que as escutam. Assim como na música, esse conteúdo explícito no que diz respeito à forma de abordar o sexo também está presente nos filmes, nas novelas e nas séries. Até muitos dos que antes eram mais sensíveis, hoje já não se sentem incomodados com aquilo que ouvem e que veem seus filhos cantarem e assistirem.
O sapo e a água fervente
É comum dizermos que se colocarmos um sapo numa panela de água quente, o sapo pulará para fora da panela. Mas se colocarmos esse sapo numa panela com água fria e esquentarmos a panela pouco a pouco, ele permanecerá na panela, e consequentemente morrerá. Eu não sei se isso é verdade, mas nós podemos perceber que assim como o sapo do conto, de forma geral, quanto mais somos expostos a algo, ainda que de pouco em pouco, menos nos sentimos desconfortáveis com aquilo a que somos expostos e menos os nossos olhos se ferem ao ver aquilo que com a boca discordamos.
Com isso, podemos perceber que a arte tem um poder muito maior do que imaginamos.
As obras de arte são capazes de normalizar em uma cultura aquilo que antes seria visto como absurdo. Quando você se dá conta do que está cantando, já nem sabe mais se realmente discorda daquilo que diz a letra da canção.
Sobre esse poder da arte, Rookmaaker diz que:
“Os artistas revelam o mundo para nós e lhe dão uma forma. Conhecemos as coisas pela maneira que eles a formularam para nós. Às vezes, até o nosso estilo de vida é moldado ou pelo menos influenciado pelos artistas. Sabemos como os filmes influenciam profundamente a forma como as pessoas vivem e pensam. Seus heróis, suas visões de mundo, seus sonhos e assim por diante. Os filmes geralmente têm um papel importante na formação de uma nova moda, que certamente é mais do que a simples escolha de cores ou do comprimento da saia; ela representa a maneira que nos movemos e até existimos”.
Francis Schaeffer, em “A arte e a Bíblia”, diz ainda que se algo mau é transmitido por meio de uma arte de alta qualidade, como nas grandes produções de Hollywood e dos Streamings, isso pode trazer ainda mais destruição para a nossa cultura. Schaeffer comenta:
“Precisamos perceber que, quando algo falso ou imoral é expresso por meio de uma arte de alta qualidade, isso pode ser mais destrutivo e devastador do que se fosse comunicado por meio de uma arte de qualidade inferior”.
Então, se a arte tem um poder tão grande, não podemos nos envolver com ela de forma acrítica. Não podemos ignorar a realidade da Queda. Se existe algo na cultura que vai em sentido contrário a aquilo que cremos, isso deve ser motivo de nossa reflexão e redirecionamento.
Além disso, essa afirmação sobre o poder da arte implica também em um chamado para que cada vez mais a Igreja esteja produzindo arte e respondendo de forma propositiva ao que a cultura tem nos apresentado.
Em outras palavras, precisamos de congressistas que dialoguem sobre leis de classificação etária nas músicas, precisamos de mais grupos de estudo sobre a relação do cristão com a cultura, precisamos de mais artistas cristãos apresentando a nossa cosmovisão e precisamos que haja mais incentivo para que, quem sabe, no campo das artes, a nossa luz resplandeça diante dos homens, para que vejam as nossas boas obras e glorifiquem ao nosso Pai, que está nos céus.
Samuel Palmeira é compositor e possui graduação em Música; lançou o álbum "Malsoante" pelo Coletivo Candiero. Serve na Igreja Presbiteriana Sião em Aracaju, SE.
Comments