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Dimensões da Graça

Texto por: Lucas Gregory | Fotografia: Teona Swift


A compreensão da graça é fundamental para a vida cristã e influencia a forma com a qual compreendemos o Evangelho e a forma que vivemos. Quando falamos de graça, muitas vezes nos referimos à graça redentora, pela qual Cristo redimiu nossos pecados, reconciliou-nos com Deus e nos fez membros do seu corpo, unidos a Ele. Essa é, de fato, uma das referências de graça que encontramos na Bíblia, mas encontramos também diferentes manifestações da graça divina, as quais abrangem mais do que o sentido soteriológico.

Graça Comum


Quando lemos a Bíblia em ordem cronológica ou na ordem da disposição padrão dos livros, não vemos inicialmente a revelação da redenção, mas da criação. Vern S. Poythress, teólogo, professor e escritor americano, afirma em seu livro O Senhorio de Cristo que “a Bíblia não começa com o Cristo Redentor, mas com a criação do mundo”. Quando olhamos para a criação, nos deparamos com a soberania de Deus, assim como seu governo sobre toda a existência. A criação aponta para a graça de Deus, que criou e sustenta todo o universo. Ela aponta para o fato de que nós “vivemos no mundo de Deus, um mundo que ele não apenas criou, mas continua a governar”.


Deus é o criador de toda a humanidade, e ela dispõe de dádivas divinas. Diferente da justiça, que se refere a algo que merecemos ou ganhamos por nossas ações, a graça se refere àquilo que desfrutamos mesmo sem merecermos ou conquistarmos, mas que nos é dado por Deus.

R. C. Sproul, um famoso teólogo e pastor, em sua introdução à obra Somos Todos Teólogos, afirma que “graça é sempre uma prerrogativa divina, nunca uma exigência”. E nesse sentido, podemos encontrar em nossa vida diversas dádivas divinas que não merecemos ou trabalhamos para receber, e que são dadas a todas as pessoas. Chamamos essas dádivas de graça comum.


Poythress afirma que “graça comum descreve aqueles benefícios de Deus dado tanto aos incrédulos quanto aos crentes” e Sproul complementa “graça comum é a misericórdia e a bondade que Deus estende à raça humana”.


Podemos entender por graça comum benefícios como a vida, o amor, a amizade, assim como a colheita, a chuva e o sol (Mt 5.45). Esses favores se encaixam na categoria de graça, pois nós não os merecemos, e são comuns pois são desfrutados por toda humanidade.

Graça Especial


Já quando nos referimos à obra de redenção realizada por Cristo Jesus, nos referimos a um tipo diferente de graça, a graça especial. Diferente da graça comum, que é usufruída por toda a humanidade, a graça especial está disponível apenas àqueles que estão unidos a Cristo por meio da fé.


Graça especial é aquele tipo específico de favor de Deus em que Ele traz salvação ao seu povo escolhido.

Aqueles que depositam sua fé em Jesus, sujeitam sua vida a Ele e passam a desfrutar da graça especial, que, segundo Poythress “mesmo aquelas dádivas que parecem comuns são matéria de graça especial quando vemos como elas estão enraizadas no amor pessoal de Deus”. Aqueles que desfrutam da graça especial se tornam cidadãos do reino de Deus, membros de sua família e parte do seu templo (Ef 2.19-22).


A fé em Jesus não é algo meramente intelectual, mas se refere à sujeição integral de todas as esferas da vida ao seu senhorio. Isso não é uma tarefa fácil, pois nos exige tudo o que somos e temos. Nós não conseguimos fazê-lo conforme a nossa própria capacidade, por isso é matéria da graça, pois não conquistamos ou merecemos, mas recebemos de Deus. Conforme C. S. Lewis afirma “Cristo diz: Dê-me tudo. Não quero uma parcela do seu tempo, uma parcela do seu dinheiro e uma parcela do seu trabalho; eu quero você [...] Renuncie todo o seu ego natural, todos os desejos que você acha que são inocentes, da mesma forma que me entrega aqueles que você considera maldosos – o aparato todo, pois vou substituir por um novo ser. Na verdade, vou lhe dar a mim mesmo, e minha própria vontade deverá se tornar a sua”.


Poythress assevera “Levar a sério o senhorio de Cristo envolve uma mudança radical. A mudança radical pode parecer difícil e nem um pouco atraente. Em alguns aspectos não apenas é difícil, como é impossível. Num nível fundamental, não podemos mudar a nós mesmos por nosso próprio poder”.


Meios de Graça


Ainda dentro da matéria da graça especial, Deus nos fornece recursos espirituais pelos quais opera em nós a santificação, nos fazendo semelhantes a Jesus. Esses recursos têm como objetivo manter nossos olhos fixos na realidade do senhorio de Cristo. Eles são utilizados por Deus para nos instruir e capacitar no serviço a Cristo. Esses recursos são chamados de meios de graça. Dentre eles podemos listar alguns como:


Poder da ressurreição: Refere-se à ressurreição de Cristo como nosso representante. Assim como Adão foi nosso representante na queda, Cristo representa em sua ressurreição aqueles que creem nele. Como Poythress afirma “Visto que Cristo ressuscitou, e visto que nós que cremos nele estamos unidos a ele, o poder de Cristo está operando em nós”;


Espírito Santo: O Espírito Santo é a terceira pessoa da Trindade, é Deus, assim como Cristo e Deus Pai. Ele foi enviado por Cristo para habitar em nós e nos guiar pelo caminho de santidade. Segundo Poythress “O Espírito Santo é essencial se quisermos obedecer a Cristo como ele merece e se quisermos fazer de fato algum progresso na vida cristã” ;


Bíblia: A leitura das Escrituras, seu estudo e a pregação da sua mensagem são meios fundamentais pelos quais Deus age em nossas vidas pelo Espírito Santo. “A Escritura é a palavra de Deus, que é a fonte de toda a sabedoria. Isso significa que a Escritura deve desempenhar um papel fundamental como fonte de sabedoria e conhecimento”, afirma Poythress.


A Bíblia é meio pelo qual Deus escolheu se revelar aos homens, mesmo antes da queda, a palavra de Deus ocupava um lugar central na relação de Deus com o homem.


Oração e louvor: Quando oramos estamos obedecendo aos mandamentos bíblicos e usufruindo do privilégio disposto pela obra de Cristo. John Stott, teólogo e pastor britânico, afirma em seu comentário sobre a carta aos Efésios que “Deus não mantém distância nem insiste em rituais ou protocolos complicados. Pelo contrário, por meio de Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, temos acesso imediato a Ele como nosso pai (Ef 2.18). Precisamos exortar uns aos outros para que aproveitemos esse privilégio”.


Quando louvamos a Deus estamos cumprindo o propósito para o qual fomos feitos agradáveis a Deus em Cristo (Ef 1.6). Louvamos a Deus com nossas palavras através de cânticos e através de uma vida piedosa.


A participação nos sacramentos (Batismo e Santa Ceia): Os sacramentos fazem parte das ordenanças do próprio Senhor Jesus. O batismo cristão “é um sinal de Deus que significa limpeza interior e remissão de pecados, regeneração forjada pelo Espírito e nova vida, e a presença duradoura do Espírito Santo como selo de Deus testificando e garantindo que o batizando será mantido seguro em Cristo para sempre”. Ele significa a união com Cristo em sua morte, sepultamento e ressurreição.


Na sua Teologia Concisa, J. I Packer afirma que a Ceia do Senhor “é um ato de adoração na forma de uma refeição cerimonial, em que os servos de Cristo participam do pão e do vinho em memória de seu Senhor crucificado e em celebração da relação com Deus na nova aliança através da morte de Cristo”. Ela faz referência ao passado ao relembrar a morte de Cristo, também faz uma referência presente ao nos fazer atentar para as implicações comunitárias referentes à fé, e faz referência ao futuro por aguardarmos pela ceia que será realizada após o retorno de Cristo, na consumação.


Packer ainda diz que, juntos, os sacramentos “comunicam, selam e confirmam a posse daquelas bênçãos para os crentes, os quais, recebendo os sacramentos de forma responsiva, dão expressão à sua fé e submissão a Deus”, e segundo a Confissão de Westminster, seu efeito é “fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o resto do mundo, e solenemente obrigá-los ao serviço de Deus em Cristo, segundo a sua palavra”.


Comunhão com o povo de Deus (Igreja): A obra de Cristo tem como objetivo redimir um povo para Deus. Essa obra salva pessoas, mas visa a edificação de um povo, não apenas indivíduos. Somos corpo de Cristo somente quando estamos em comunhão com outras pessoas que também foram redimidas por sua obra e estão unidas a Ele.


Deus nos projetou para que nosso crescimento espiritual não se desse apenas pelo tempo privado com a Bíblia e a oração. Deus nos deu sua igreja. A igreja é chamada de "o corpo de Cristo", e cada membro tem uma contribuição a dar para o funcionamento do corpo inteiro (1Co 12.12-31). [...] Deus quer que participemos da igreja, não que vivamos apenas como crentes isolados. [...] a membresia na igreja é para a família de Deus – aqueles que pertencem a Deus pela fé em Cristo”; reitera Poythress.


Teologia, especialmente a Reforma: A comunhão com os santos também se refere à comunhão com as gerações passadas, que são um recurso valioso e ajuda a transformar a nossa mente em conformidade com a Palavra de Deus.


Senhorio de Cristo

A vida cristã é uma vida de sujeição ao senhorio de Cristo, isso implica em deixar que Cristo governe todas as áreas da nossa vida de maneira integral. Essa não é uma tarefa fácil, na verdade é impossível, se buscarmos fazê-la de maneira independente. Mas a instrução de Deus é para que o façamos em dependência dele.


Lewis afirma “Depois dos primeiros passos na vida cristã, nós nos damos conta de que tudo o que realmente precisa ser feito em nossas almas só pode ser feito por Deus [...] está claro para mim que é Deus que faz tudo. O máximo que fazemos é permitir que Deus aja”. Por esse motivo, para que tenhamos êxito, devemos desfrutar da graça de Deus em seu aspecto comum e especial, assim como de todos os meios de graça.


 

Referências Bibliográficas:


POYTHRESS, Vern S. O Senhorio de Cristo: Servindo o Nosso Senhor o Tempo Todo, em Toda a Vida e de Todo o Nosso Coração. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019.

SPROUL, R. C. (Robert Charles). Somos Todos Teólogos: uma introdução à teologia sistemática. São José dos Campos, SP: Fiel, 2017.

LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

STOTT, John. Lendo Efésios com John Stott / John Stott com Andrew T. Le Pau.Viçosa: Ultimato, 2019.

PACKER, J. I. Teologia Concisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.



 

Lucas Gregory é Engenheiro de Software e estudante de teologia. Serve na Família dos que Creem em Curitiba, PR.

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