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A Sociedade do Cansaço


Texto por: Jorge Anderson Missional | Valeria Ushakova


No seu livro “A Sociedade do Cansaço”, o filósofo Coreano Byung-Chul Han, professor da Universidade de Berlim, discursa sobre o cansaço crônico que envolve a sociedade de nossos dias. Para Han, há um excesso de positividade, um discurso de afirmação do eu-indivíduo, uma espécie de exacerbação do ego: o homem está ainda mais no centro de tudo e deve viver, ser e ter no máximo do seu potencial.


Essa visão cria uma nova forma de exploração, não mais do chefe em relação ao empregador nem a ultrapassada ideia do senhor da terra em relação ao escravo, agora a exploração do indivíduo é por ele próprio, a auto-exploração.


O homem, na era da performance e da produção, escraviza a si mesmo e, nesse novo cenário, adoece pelo excesso de afirmação de si próprio (a positividade).

Discursos como “seja feliz” ou “seja bem sucedido” ou o culto ao corpo e ao bem-estar são parte de um mundo desnarrativo, ou seja, um mundo sem narrativas concretas e sem a capacidade de produzir um sentimento que não seja a brevidade ou transitoriedade, falta sentido na vida e uma perspectiva para além da existência aqui e agora.


Han, também, afirma que até as religiões tornaram-se obsoletas, pois falham em suprimir o medo da morte ou em criar um sentimento de duração, pelo contrário, não é errado afirmar que elas contribuem para o fortalecimento desse sentimento de transitoriedade do mundo. Com isso, o homem reage frenético, inquieto, hiperativo e hiperneurótico, depressivo e triste. O homem moderno é espiritualmente doente.

Na mesma obra, o filósofo coreano trata do que chama de um novo princípio patológico: antes, o mundo lutava contra as doenças bacteriológicas ou virais, agora, surge a patologia neuronal. Ou seja, anteriormente (na lógica do último século) as doenças que assolavam os homens eram de origem externa, bacteriológica ou viral, nas quais o inimigo era rapidamente identificado e desenvolviam-se vacinas e remédios para logo a doença ser controlada. Aos poucos a era bacteriológica vai sendo superada pela neuronal, de maneira que, a partir do século XXI, a tendência é observarmos o crescimentos das doenças neuronais até que elas sejam a maioria daqui a breve tempo.


Nas doenças psíquicas o inimigo é interno, vive dentro de nós, somos nós e, para isso, não existem antibióticos. Como combater esse novo vilão se somos nós mesmos? Como matar esse vírus?

Matar esse vírus é de alguma forma nos matar também. Os medicamentos para a guerra neuronal roubam nossa personalidade, nos transformam em “zumbis”. Se os sentimentos são os nossos problemas, desenvolvemos medicamentos que inibem esses sentimentos; surgem os mortos-vivos.


Se somos hiperativos, desenvolvemos medicações que nos colocam em um ritmo anacrônico – estranho, no mínimo. A guerra patológica na era neuronal nos deixa sequelas, não somos mais tanto o que deveríamos ser.


O Burnout é uma dessas novas doenças que aparecem em nosso mundo atual. Cada um de nós é testemunha de um irmão, um amigo, um líder ou um pastor que luta contra os efeitos do cansaço moderno somados à depressão. Nos últimos anos, multiplicaram-se os relatos de suicídios entre pastores, abandono de vocações ministeriais, entre outros.


Nossos discipulados ultrapassam a demanda de aconselhamento cristão, tornaram-se um “hospital de campanha” para cuidar dessa pandemia silenciosa de Burnout e doenças psíquicas não diagnosticadas.


Há um excesso de tristeza que caracteriza o nosso tempo, nós a chamamos na maioria das vezes de depressão, que muitas vezes evolui para a patologia mesmo. A raiz desse sentimento é a grande expectativa que o ideal de vida moderno cria, produzindo uma pressão por sucesso, acúmulo material e uma busca frenética por felicidade e o culto à sua própria imagem – o homem cansa quando só olha pra si.


Esse sentido do ser moderno nada tem a ver com o ideal de vida cristã, mas apenas é uma afirmação do espírito humanista de nosso tempo. Inserido nesse mundo onde o excesso de positividade nos condiciona a patologia neuronal, onde o sentimento de brevidade e transitoriedade das narrativas atuais se multiplicam, criando um mundo onde a doença da tristeza e falta de sentido moderno dominam, a igreja, em sua maioria, perde sua perspectiva vocacional em ser uma verdadeira contracultura.


Pelo contrário, ela é uma afirmação de tudo que há no mundo, uma versão religiosa do ser, o eu-indivíduo, do nosso ego centrado em nós mesmos, é uma espécie de coletividade de eus-próprios, não uma comunidade de gente. É por isso que ela, seguindo a lógica secular, fabrica seus eus conhecidos, suas personalidades famosas, seu personalismo religioso.


Há na igreja muito mais uma afirmação de muitos eus do que a vocação para vida comum, perdeu-se a perspectiva da comum unidade, isso também contribui para o mal coletivo, é um cópia do que há no mundo, estamos sozinhos mesmo parecendo que estamos juntos. O homem está só na igreja. Nesse sentido a igreja torna-se, também, um lugar de afirmação, um excesso de positividade tóxica.


Sem reducionismos, há de se olhar para a mensagem bíblica a fim de compreender o mundo contemporâneo. Primeiro, precisamos refutar o sentimento de transitoriedade e brevidade que domina tudo e todos: em Cristo, somos para sempre, eternos de eternidade em eternidade.


Segundo, ainda olhando para o Cristo, focar nossa existência nele mais do que em nós mesmos, fugindo assim do espírito humanista que insiste em tentar nos colocar no centro do universo.


Deus é o centro de toda criação, a energia primaz que move todas as coisas, o logus (lógica) que traz sentido a existência.

É necessário assumir uma postura evangélica ante a vida, uma verdadeira revolução contra cultural, assim como foi no primeiro século, encarnando um verdadeiro profetismo, anunciando um Rei e um reino que não são deste mundo.


Entendendo isso, a igreja deve tornar-se uma comunidade de homens vivendo em comum, onde personalismos são vistos com desconfiança, onde as relações são terapêuticas e auto reguladoras dos limites do ser – todos somos iguais no Cristo.


A igreja, dentre todas as suas possibilidades vocacionais é, antes de tudo, como bem diz a disciplina escatológica, uma ”comunidade antecipada”, ou seja, uma representante hoje de uma realidade social-relacional-política de um mundo que se inaugurará na era por vir. Assim ela deve encarnar, em sua existência e expressão, o valor do comum, o valor do outro mais do que de nós mesmos, a esperança do mundo que não acaba, mas se renova, o descanso de estar em Deus como contrapartida ao cansaço de nossos dias, da cura emocional e física a patologia que se multiplica.


 

Jorge Anderson Missional é militar e estudante de Filosofia. Casado com Monique, pai da Laura e do João Eduardo. Serve na Rez Church Rio e mora em Niterói, RJ.



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