Texto Por: Jéssica Lima | Fotografia: Zen Chung
Quando nos propomos a estudar sobre o conceito de “vocação”, principalmente à luz das Escrituras, alguns caminhos mais comuns logo vêm aos nossos pensamentos. É possível pensarmos em chamado e nos dons ministeriais, detalhadamente explicados pelas cartas paulinas. Podemos ainda selecionar exemplos que remontam o Antigo Testamento, nos inúmeros personagens bíblicos que nos ensinam lições valiosas acerca de chamado e obediência. Para citar apenas alguns exemplos, nos lembramos de José, Ester e Davi.
Entretanto, aqui será proposto um outro tipo de abordagem, que surge da pergunta: e se não tivéssemos sequer alguma vocação? É claro, você pode contrapor essa pergunta com o lógico pensamento de que notoriamente todos nós fomos chamados para algo.
Biblicamente entendemos que em todos nós há talentos que, em conjunto, apontam para uma vocação. Um papel a desempenhar.
O subtítulo deste post poderia até ser: "Vocação e Trabalho: Uma Reflexão Segundo Keller", mas, por que convidar o escritor e pastor Timothy Keller para essa reflexão? Sem dúvidas, o autor é conhecido pelas suas preciosas contribuições sobre o ego e os deuses falsos, sobre a aliança do casamento e o poder da oração. Permita-me acrescentar nesta lista um título um pouco menos conhecido, mas imenso em valor e conteúdo, “Como integrar fé e trabalho: Nossa profissão a serviço do reino de Deus”. Um livro que nos desperta para uma nova óptica, com lentes sempre entrelaçadas com o profundo conhecimento, como é típico de Keller.
Atravessar seus parágrafos é um convite brilhante para a oportunidade de repensarmos o nosso conceito sobre o lugar que a nossa vocação, aliada com o nosso trabalho, ocupa em nossas vidas diárias. Vamos para uma primeira citação?
“Temos de trabalhar como um meio de servir a Deus e ao semelhante e, então, escolher e conduzir nosso trabalho de acordo com esse propósito. A pergunta tem de ser: “Levando em conta minhas habilidades e oportunidades, como posso ser mais útil às pessoas, sabendo o que sei a respeito da vontade de Deus e da necessidade humana?”.
A pergunta criada por Keller intenciona despertar uma dimensão que, ainda que neguemos, pode ter se tornado adormecida em nós: como o meu trabalho afeta e impacta a vida das pessoas ao meu redor? A verdade é que parte do nosso apego pela produção de nossas mãos ou pela “categorização” do que somos bons em fazer está justamente no ato de nos colocarmos no centro.
Estando no centro, não servimos aos outros e ao mundo por meio de nossa vocação, mas passamos a cobrar que os nossos talentos sirvam incansavelmente o nosso anseio por sermos reconhecidos, definidos e aceitos. O que sobrará se não tivermos talentos celebrados? Essa pergunta ronda tanto cenários ministeriais, quanto os ambientes comuns de postos de trabalho na vida comum ordinária.
Keller cita ainda uma mudança significativa que se deu no curso da igreja ao longo dos séculos. Antes, cristãos definiam-se pela qualidade e esplendor de suas obras religiosas. Agora, enfrentamos outro embate. A busca atual se dá pelo o que chama de autoestima e valorização pessoal. Caímos em uma nova prisão. Diminuímos a centralidade da obra de Cristo para uma sede desenfreada de nos sentirmos seguros a partir do que produzimos. A partir do que oferecemos. Cedemos à pressão de sermos definidos por intermédio do trabalho e portanto, por nossa vocação. É bom relembrarmos: a nossa segurança não está na capacidade de provarmos o quanto somos produtivos. Ou bons. Ou eficazes. Ou especiais.
Olhamos para as Escrituras e vemos desde Gênesis que o Senhor valoriza o trabalho, a criação e o labor que vêm de nossas mãos. Mas, se a vocação fosse o principal fator para sermos vistos como bons ou apreciáveis, o que mais faltaria para os excelentes e brilhantes profissionais nas mais diversas áreas do conhecimento que, ainda assim, perecem por não conhecerem a Cristo?
A discussão é ampla, e você pode se questionar: devo, então, me desprender da minha vocação?
Não, essa não é a mensagem central do que Keller ou o que aqui tentamos comunicar. É claro que devemos olhar com cuidado os nossos talentos, competências e sonharmos com as marcas que deixaremos por onde passarmos. Afinal, não somos nós os chamados para sermos luz e sal? Portanto, de modo algum quaisquer níveis de apatia são sugeridos. Para Keller, “Deus distribui dons como sabedoria, talento, beleza e habilidades de acordo com sua graça – ou seja,
de um modo totalmente imerecido. Ele os espalha pela raça humana como sementes, com o objetivo de enriquecer, abrilhantar e preservar o mundo”.
Sabendo disso, você pode refazer a pergunta inicial deste texto a si mesmo: se eu não tivesse nenhuma vocação, se de mim fossem retirados os talentos, se nenhuma só pessoa pudesse encontrar algo a ser chamado de especial em mim, o que sobraria? Me atrevendo a responder - sobraria tudo. Cristo em nós permaneceria de forma intacta. Portanto, a melhor porção de nós mesmos, se manteria visível.
“Em vez de trabalhar sustentado pela falsa paixão da apatia, que é filha do egoísmo, você trabalhará motivado pela paixão verdadeira, que é filha da abnegação. Você é adotado na família de Deus e, portanto, já tem sua autoafirmação. Você está justificado aos olhos de Deus, então não tem de provar nada a ninguém. Você foi salvo por meio de um sacrifício morto, de modo que está livre para ser um sacrifício vivo. Você é amado eternamente, assim pode trabalhar de forma incansável em resposta a uma tranquila plenitude interior”.
E assim, Keller nos ensina.
Referência:
KELLER, Thimothy. Como integrar fé e trabalho: Nossa profissão a serviço do reino de Deus. Editora Vida Nova. 2014.
Jéssica Lima é jornalista e colunista e da plataforma "Destemidas". Serve na Igreja Batista Renascer em Goiânia, GO.
Nossa, que texto esclarecedor! É tão fácil sermos inebriados com conceitos e ideas que nada tem a ver com o que Deus estabeleceu para nós. Textos assim caem como luva e são verdadeiros mantenedores do Evangelho. Parabéns, Jéssica.