Texto por: Willian AmaralFotografia: Karolina Grabowska
Séculos antes da vinda de Cristo, o autor de Eclesiastes já orientava sobre os perigos das vaidades em nossas vidas. Ele demonstrava grande sabedoria observando a natureza, o tempo, demonstrando como as coisas naturalmente saíam e retornavam ao mesmo lugar. Eclesiastes expõe o coração do homem no seu pior estado - o de buscar desenfreadamente as vaidades da vida:
Que proveito tem um homem de todo o esforço e de toda a ansiedade com que trabalha debaixo do sol? (Ec 2:22).
A expressão “proveito” é bastante usada neste livro. Mas não com o propósito de nos tornar céticos em relação aos bens materiais. De forma madura, somos estimulados a não seguir um caminho de superficialidades, e não devemos adotar simples causalidades do tipo “se tudo é vaidade, então deixarei tudo para trás” ou “as coisas materiais tornam seres humanos ruins”.
A proposta não é deixar todas as coisas para trás, mas reconhecer qual a verdadeira utilidade delas em nossas vidas.
Além disso, podemos perceber se elas têm de fato, algum valor a serviço de Deus e do seu Reino. Sem simplicidade, nosso coração é tentado a buscar lugares e posições que podem nos distanciar de uma vida cristã piedosa. Os bens não são ruins em si mesmos, mas o nosso coração infelizmente transforma coisas fúteis em ídolos. Mas pela graça de Deus, a simplicidade é uma das disciplinas capazes de nos libertar profundamente.
Jesus confronta-nos a adotar um estilo de vida simples quando disse que deveríamos “ajuntar tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não arrombam nem roubam”. No evangelho do Reino, as coisas são tocadas por algo chamado eternidade.
Quando compreendemos isso, uma chave é virada dentro do nosso coração! E quanto mais somos tocados por essa eternidade, menos valor as coisas dessa vida terrena passam a ter dentro de nós.
Nesta redefinição de valores feitas por Jesus, algumas disciplinas espirituais como simplicidade, serviço e submissão, tornam mais robusta nossa caminhada cristã.
A simplicidade que vem de dentro não é permeada por falsos sentimentos ou demonstrações pretensiosas de aparente humildade.
As disciplinas espirituais servem para gerar liberdade e transformação interior. Elas não podem de forma alguma ser uma demonstração apenas exterior, como acontecia com os fariseus, que Jesus repreendeu algumas vezes nas Escrituras. Ninguém consegue manter as disciplinas espirituais por muito tempo, se isto não fluir de um coração verdadeiramente transformado, que busca o Reino de Deus em primeiro lugar.
Houve um dia em que os discípulos de Jesus discutiam a respeito de quem seria o maior entre eles. Os discípulos, no entanto, foram graciosamente surpreendidos com o ato de Jesus colocar uma criança próxima de si, e afirmar que qualquer um que a recebesse em Seu Nome, estaria de fato recebendo a Ele mesmo e ao Pai. Em outro momento mais que especial, antes da festa da Páscoa, após ter partido o pão com seus discípulos, Jesus deu a maior lição de humildade e serviço que alguém poderia dar, lavando os pés de seus discípulos.
Esse ato tão importante de Jesus nos ensina muito sobre um estilo de vida sensível ao próximo, mas também atento ao trabalho que precisava ser feito. Não existe romantismo no serviço ou na submissão. Perceba que Jesus foi o único a: 1. levantar-se da mesa após a ceia; 2. colocar de lado as suas vestes; 3. pegar uma toalha; 4. cingir-se; 5- encher a bacia de água.
Antes de começar a lavar os pés dos discípulos, o processo de Jesus incluía uma vida de obediência “até a morte”. A morte na cruz era a consequência da morte de Jesus todos os dias de sua vida na terra. Ele de fato, assumiu a forma de servo em momentos simples como este, servindo aos seus discípulos e ensinando a eles os valores de um novo Reino.
Submissão
Em nossas vidas cristãs somos tentados a impressionar as pessoas de alguma forma. Queremos parecer produtivos em nossas comunidades de fé, demonstrar que somos comprometidos, piedosos, e que honramos os nossos líderes espirituais. Nessa realidade, as vezes alguns cristãos se frustram porque percebem que uma das disciplinas espirituais mais belas na bíblia, a submissão, tem atualmente assumido sua forma mais distorcida.
Infelizmente muitos líderes têm utilizado essa disciplina espiritual como forma de controle e manipulação. Quando a submissão é utilizada fora de seu contexto bíblico, apenas para defender posições, status, conhecimento, bens materiais, por mais legítimo que pareça ser, consideramos que um importante valor do Reino está sendo violado. Toda vez que alguém distorce o conceito de submissão apenas para que seus direitos como ser humano sejam garantidos, revela-se um coração enfermo, que talvez desconheça na prática os ensinamentos de Jesus e seu exemplo prático.
A realidade que Jesus ensinou trouxe valores de um Reino invisível naquele momento, mas que torna visível as atitudes do nosso coração. Nesta revolução, o maior é considerado o menor; lavam os pés dos menores. Nesta redefinição de Reino, uma criança bem recebida representa o próprio Cristo sendo bem recebido (e o Pai também), e o líder espiritual se submete a um simples serviço, de lavar os pés de seus liderados. O desejo de valorizar o próximo tanto quanto a nós mesmos é um dos principais ensinamentos de Jesus quando o assunto é submissão. Não se trata da desobrigação de obedecer aos nossos líderes ou semelhantes.
O que as pessoas estão fazendo corrompendo as disciplinas espirituais não excluem a realidade de que Jesus redefiniu estes conceitos com sua própria vida e ministério.
A expressão destas disciplinas espirituais a partir de um coração transformado, que vê no outro a importância de sua vocação e da sua missão é libertadora. Nos leva a uma vida de autonegação, simplicidade honesta, serviço verdadeiro e submissão voluntária, que se torna submissão mútua dentro da comunidade de fé. Isso é absolutamente poderoso para estabelecer afetos saudáveis dentro da comunhão, e expressar uma espiritualidade sadia e coerente com os ensinos de Jesus.
Willian Amaral é psicólogo e gestor na Associação Cristã de Assistência Social (ACRIDAS). Casado com Valkiria, é pai do Nathan, Thiago e Sammuel. Serve na Família dos que Creem em Curitiba, PR.
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