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Providos para Trabalhar



A salvação traz implicações diretas e integrais na forma como o homem exerce devoção a Deus, constrói família e desenvolve seu trabalho sobre a terra. Com base nesses três elementos, iremos focar no conceito de trabalho como algo a ser repensado à luz do Evangelho. Isso se faz necessário porque muitos cristãos ainda não compreendem como seu trabalho e profissão podem glorificar a Deus. Existem pelo menos duas questões muito comuns na Igreja ocidental que podem nos ajudar a entender os danos que uma visão equivocada sobre o trabalho pode causar na eficácia do nosso testemunho perante a sociedade. Uma delas provém do ambiente religioso e, a outra é uma tendência promovida pela sociedade atual.


Embora haja um esforço durante séculos para remover a ideia de trabalho sagrado e trabalho secular, muitas pessoas ainda enxergam o ministério cristão como algo que se faz somente no templo e no ambiente da igreja local. Ainda existe a tendência de achar que a ação realizada durante a semana, no mercado de trabalho, não possui a mesma importância do que a realizada no ambiente institucional da igreja. Isso gera cristãos completamente mornos em seu testemunho no ambiente de trabalho, pois estão contando os minutos para sair dali e fazer algo que, segundo eles, realmente importa.


Tendo em vista que passamos a maior parte do nosso tempo no ambiente de trabalho do que em um culto religioso, qual o sentido de uma manifestação fervorosa do nosso serviço no ambiente congregacional, mas fria no dia a dia? Como poderemos oferecer ao mundo uma mensagem de transformação integral, sendo que damos pouca importância para o que fazemos a maior parte da vida? Essas perguntas nos permitem compreender o quanto negligenciar o nosso papel no ambiente de trabalho é prejudicial para o testemunho do Evangelho.



A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO


Existe um outro problema, que é o de abraçar conceitos deste século sobre a importância do nosso ofício. Uma vez que os cristãos não se empenhem por entender o propósito de Deus para o trabalho, abre-se um vácuo a ser preenchido. O trabalho e a Economia são temas debatidos por filósofos desde os tempos antigos, e toda estrutura de governo e política, precisa dominar esse tema para se estabelecer. Aos olhos da nossa sociedade, o trabalho é uma fonte de sobrevivência e um meio para ascendência social, que promove relacionamentos corporativos, mas não afetivos; leva-nos a enxergar as pessoas pelas suas competências profissionais, mas não pelo que elas são em sua essência. Leva-nos também a uma preocupação maior com diplomas e salários do que com relações que podem ser construídas, e com pessoas, que podem ser alcançadas pela mensagem do Evangelho, durante o tempo em que convivemos no ambiente de trabalho. Por mais assertivos que possamos ser em nossas críticas aos governos e políticas materialistas (que podem ser opressoras), não temos uma contraproposta mais nobre, se, para nós, o trabalho for visto apenas como um meio de ganhar dinheiro e de prosperar.


Ao ser expulso do Éden, Deus disse ao homem que ele comeria do suor do seu trabalho (Gn 3:19), ou seja, ele trabalharia por provisão. Todavia, nem sempre foi assim. Antes do pecado entrar no mundo, obter provisão não era uma preocupação do homem. Em seu relacionamento pactual com Deus, ele recebia provisão, proteção e direcionamento divino (Gn 2:15). O trabalho era um meio de expandir a glória do Criador sobre a criação, e, na medida em que esse serviço era feito, a provisão seria apenas um elemento para que esse trabalho continuasse. Visto que a redenção tem como objetivo ajustar nosso relacionamento com Deus e com as estruturas originais estabelecidas por Ele, temos a oportunidade de voltar a pensar sobre o trabalho assim como era no Éden.



ESCRAVIDÃO E LIBERDADE


Enquanto estava cativo no Egito, o povo hebreu recebia provisão no final do dia, mas na peregrinação no deserto, Deus enviava o maná no início do dia. Essa pedagogia divina servia para que o povo entendesse que a provisão vinha antes do ofício.


Em estado de escravidão, o povo trabalhava por provisão, mas, em liberdade, o povo era provido para trabalhar.

Na Terra Prometida, o povo seria provido, protegido e direcionado à medida que se ajustasse aos regulamentos da aliança com Deus (Dt 28:1-14), e não apenas ao se empenhar em seu esforço sobre a terra. Entendemos que a prosperidade bíblica não vem da força do nosso braço, mas sim da obediência a Deus. Jesus disse aos seus discípulos que, uma vez que buscamos o Reino de Deus e sua justiça, aquilo que precisamos para viver nos é acrescentado (Mt 6:33), assim concluímos que a criação serve quem serve a Deus. Percebemos que a redenção ressignifica o conceito de trabalho.


Com a redenção, o trabalho deixa de ser o meio pelo qual obtemos pão e passa a ser uma ferramenta para cumprir a nossa vocação.

Jesus nos ensinou a orar pelo pão de cada dia e não a trabalhar por ele (Mt 6:11). Isso não significa que não vamos laborar, mas que estamos livres para defender os nossos valores, evitando uma possível corrupção em prol de uma promoção; livres para não enxergar nossos companheiros de trabalho como ferramentas, mas como pessoas que precisam do conhecimento de Deus; livres para não escolher uma faculdade pensando unicamente no diploma, mas em como cumprir a missão de revelar Deus aos professores e colegas de classe. Faltaria espaço para mencionarmos todas as oportunidades que surgem quando o trabalho e o pão deixam de ser o fim, mas passam a ser um meio para algo maior. Não trabalhamos por provisão, somos providos para trabalhar! Por meio do Evangelho, estamos livres para manifestar em nosso trabalho a beleza, a santidade, a bondade, o amor, a justiça e todos os outros aspectos do caráter de Deus que estão sendo gerados em nós. Mediante a salvação em Cristo Jesus, o trabalho é uma ferramenta para anunciar aquilo que Deus está operando em nós e em Sua criação.


 

Felipe Bartoszewski é empresário e fundador da Escriba Couro. Casado com Juliana, é pai da Helena e da Giovana. Serve como diácono na Família dos que Creem, em Curitiba - PR.

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