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O Tempo no Vale

Texto por Ana Carolina Caires Lopes | Fotografia: Matteo Badini


De todos os tempos da vida de um cristão, o tempo no vale é o que mais dura. Pelo menos é essa a impressão de quem está ali, cercado pelo vazio silencioso, a escuridão fria e ácida. Dias longos, noites eternas, nem mesmo as estações obedecem seu fluxo natural, já que o inverno parece durar mais tempo e a primavera nunca dá as caras.


Cercado por montanhas, há duas opções: olhar para baixo e deixar que a ansiedade paralise os pensamentos e movimentos, ou olhar para cima e contemplar a glória do Eterno.


A primeira opção é feia, suja e monótona. Olhamos para nossos pés e relembramos dos caminhos percorridos e do tempo desperdiçado com coisas e pessoas vãs. Olhamos para a terra fétida e molhada, lembrando-nos de nossa marca pecaminosa e nossa incapacidade de controlar as circunstâncias, as pessoas, e o próprio tempo. Olhamos ao redor e as ciladas da mente nos fazem sentir falta de ar, imaginando que o tic tac do relógio está aproximando as montanhas e, em breve, seremos sufocados por elas. Olhar para baixo, esperando socorro, é tão ineficaz quanto tirar a pilha do relógio para que tenhamos mais horas no dia.


Os dias longos dão vazão a pensamentos confusos que, aos poucos, vão tomando forma e trazendo reflexões profundas sobre o aqui, o agora, e a eternidade.


De repente, toda a urgência de nossos dias corridos se esvai e somos obrigados a encarar a realidade de que nem todas as decisões tomadas foram boas, nem todas as nossas opiniões estavam certas e nem todas as nossas conclusões eram justas.

Somos poeira de nada. A noite chega e a madrugada parece um monstro a nos engolir. Já não sabemos se o frio na espinha é do vento que corta as montanhas ou do nosso medo de ficarmos insones. Nos perdemos entre preocupações, anseios, conjecturas e uma imaginação negativamente fértil.


Leva algum tempo até descobrirmos que só há um jeito de fazer a madrugada passar mais rápido: orando. E aquela oração ensaiada de igreja se transforma em um longo e intenso relato de nossa alma ansiosa e insegura. Sem percebermos, ficamos de joelhos por mais tempo do que achávamos que conseguíamos, e essa posição acaba por oferecer um certo conforto, pois reflete a curvatura de nosso próprio espírito diante do Mestre.



Os primeiros raios de sol começam a aparecer. O irônico paradoxo é que, ao olhar para baixo, as poças de lama, iluminadas pela luz solar, nos fazem olhar para cima. Em um ímpeto de coragem, voltamos os olhos para o alto e eles se fecham diante de tamanho resplendor. Nada é mais importante do que contemplar a glória de nosso Senhor.


A alma sedenta se deleita com tamanha bondade em continuar nos dando fôlego de vida, mesmo perdidos no vale sombrio. E, finalmente, conseguimos erguer o corpo e seguir viagem, pois, o vale não é o fim, mas uma parada obrigatória no caminho que leva aos portões da grande cidade.


O tempo no vale é o tempo que nos dá visão. Seja em um corredor de hospital, diante da mesa de trabalho, na espera de um bebê, no luto de um amado ou na solidão de um quarto escuro, o tempo no vale tem seu valor.

É neste hiato aparentemente inútil que nossa alma é rasgada diante do Senhor e nossa escuridão passa a ser aniquilada pelo toque das mãos furadas pelos pregos. É no tempo que passamos no vale que sentimos o cuidado do Bom Pastor. É aqui, bem neste lugar de dor e provação, que vemos a face do Cristo que enfrentou as trevas para reconstruir o acesso ao Pai.


Ao invés de desejar acelerar os ponteiros, que nossas cabeças repousem nos ombros deste amigo fiel que não dorme, não se assusta, e não nos deixa sós. O tempo no vale é a nossa chance de cura.


Senhor, durante o dia as estrelas podem ser vistas nos poços mais profundos, e quanto mais profundos os poços, mais brilhantes Tuas estrelas resplandecem; conceda-me encontrar Tua luz em minha escuridão, Tua vida em minha morte, Tua alegria em minha tristeza, a Tua graça em meu pecado, Tuas riquezas em minha pobreza, a Tua glória em meu vale.”


(“The Valley of Vision: A Collection of Puritan Prayers & Devotions” - Traduzido e publicado em Português pelo website oEstandarteDeCristo.com).


 

Ana Carolina Caires Lopes é jornalista, pedagoga e teóloga, cuidando do seu maior ministério, seu lar. É Casada com Lauro, mãe da pequena Alice e fazem parte da Primeira Igreja Batista Bíblica de Cidade Ademar em São Paulo, SP.






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