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Na Trilha das Cataratas e do Casamento

Texto por: Gabriela Marold Fotografia: Jaroslaw Mis


Há alguns meses, meu marido me enviou uma mensagem dizendo o seguinte: “eu me esqueci totalmente, mas tenho dez dias de férias agendadas para o mês que vem! Não anotei no nosso calendário compartilhado e não tenho como trocar”.


As tais “férias inesperadas” cairiam exatamente na primeira semana das férias de julho dos nossos filhos. Ora, datas como essas são concorridas nas empresas, e o meu digníssimo marido estava com essa joia nas mãos e tinha simplesmente se esquecido de anotar…


Uma viagem em família, em cima da hora, não estava em nossos planos. Até porque já tínhamos feito uma viagem que havia sido bem planejada há pouco tempo; logo, no nosso planejamento financeiro, viagens não seriam uma prioridade. Ficaríamos esses dias em nossa cidade sem o menor problema.


Mas na verdade, por puro desencargo de consciência, decidi procurar algum local no litoral do nosso Estado para, quem sabe, passarmos pelos menos uns três dias. Não encontrei nada interessante (leia-se bom e barato). Fiz em seguida uma busca despretensiosa de viagem com milhas, mas sem criar expectativas, pois julho é um mês concorrido e seria difícil conseguir passagens de avião, de ida e volta, para quatro pessoas, mesmo com milhas aéreas.


Para nossa surpresa apareceu um voo promocional com milhas, ida e volta para Foz do Iguaçu, no Paraná. Eu não fazia ideia de que essa seria uma das melhores viagens de férias da nossa família!


Primeiramente, como já compartilhei, foi tão especial porque foi uma oportunidade que apareceu “de repente” de uns dias de folga; segundo porque a sensação de “Ah! Não pagamos a passagem e estamos aqui praticamente de graça!” nos arrancou boas gargalhadas, porque era somente a sensação mesmo… E terceiro, porque eu não imaginava o quão maravilhosa seria a experiência de conhecer as famosas Cataratas do Iguaçu — e não somente pela beleza, mas pela reflexão que aquele lugar me proporcionaria lá mesmo, enquanto caminhava por aquelas trilhas ecológicas…

Duas trilhas diferentes mas ao mesmo tempo semelhantes

Todo mundo que já visitou as Cataratas, seja do lado brasileiro ou do argentino, concorda que essa é uma experiência legal. Uns gostam mais, outros menos, mas ninguém ousa dizer que aquele lugar não exala beleza por todos os lados. A ideia que eu tinha do passeio como um todo era assim: a gente iria até o Parque Iguaçu, pegaríamos um ônibus que nos levaria até “lá embaixo”, chegaríamos em um parapeito gigante, num lugar enorme e lá estaria a visão geral das Cataratas. Todas as cachoeiras! Lado a lado, assim, de uma vez só. Aí depois desceríamos uma escadinha, caminharíamos numa passarela no meio dessas cachoeiras. Pronto, tiraríamos umas fotos legais em família, faríamos o caminho de volta e check! Uma das sete maravilhas naturais da natureza conhecida. Próximo. Só que chegando lá vi que não era nada daquilo!


A beleza daquele caminho estava justamente na progressão de cada vista, ao longo da caminhada.

Começamos enfim a trilha. Primeiro tivemos que repetir mil vezes para o nosso filho de quatro anos que os quatis que estavam lá eram fofinhos mas que poderiam machucar. Dá-lhe mata, árvores, natureza, trechos sinuosos, até que, de longe, avistamos as primeiras cachoeiras. Que primeira visão bonita! Belíssima mesmo. Vamos lá, sessão de fotos e curiosidade por saber o que viria pela frente.


Durante o percurso, de repente, aparecia uma cachoeira mais bonita ainda do que a que tínhamos visto lá atrás. Escuto minha filha adolescente se encantar, tirar mil fotos e penso: para uma adolescente não reclamar de picada de mosquito e de ter que caminhar bastante, é porque está sendo especial para ela também.


Enquanto seguíamos no caminho, eu resumia minha sensações em uma palavra: maravilhamento. Olhava para cada detalhe daquele lugar (até ali) e falava com certa euforia para o meu marido: Juliano, pelo amor de Deus! Que lugar mais lindo! Como a gente nunca priorizou conhecer essas Cataratas?

E no meio do meu maravilhamento — e não havíamos nem chegado no ápice do passeio ainda — repentinamente, parece que uma ficha caiu e me levou a uma reflexão. Aquela trilha estava bem parecida com uma jornada pela qual alguns já passaram, outros irão passar, uns desistiram ou foram deixados no meio do caminho e ainda há os que não irão trilhar. A vereda das Cataratas muito me pareceu com a jornada vivida no casamento.



Sangue, suor e lágrimas


Na nossa trilha das cataratas nada era revelado de uma vez só, cada passo trazia ou um lindo vislumbre, ou uma imagem bem repetitiva (verde, verde, verde, quati, verde). A realidade era bem diferente daquilo que eu tinha idealizado — e mais bonita, nesse caso.

Em um certo momento, o cansaço começou a dar sinais. Embora fosse uma caminhada muito graciosa, exigia certo esforço. Daniel, nosso filho, já não suportava mais andar. Começou a choramingar, pediu colo para o meu marido da metade do passeio até o final, seguiu indignado com a proibição de chegar perto dos quatis e ainda nos proporcionou algumas risadas quando explodiu em sinceridade (e imaturidade) dizendo: — Chega de cachoêla! Cansei daqui, quero voltar pra piscina!

Timothy e Kathy Keller na excelente obra “O Significado do Casamento” dizem que: “embora o casamento seja muitas coisas, ele é tudo menos sentimental. É glorioso, porém difícil. É força e alegria ardentes, mas também é sangue, suor, lágrimas; derrotas humilhantes e vitórias exaustivas. Não conheço nenhum casamento com mais de algumas semanas de existência que possa ser descrito como um conto de fadas que se realizou”.


A imaturidade é algo que, tanto na jornada das cataratas quando na do casamento, impede que o caminho seja desfrutado com alegria. De repente tudo se torna cansativo. O que antes empolgava, era belo, novo, cheio de vida e aventura, torna-se repentinamente mais do mesmo.

Um dos principais inimigos do casamento, também citando Keller, é o egocentrismo pecaminoso. O imaturo é assim: egocêntrico. Dita as regras conforme seus apetites e vontades, ignorando a realidade. Contudo, para quem já cresceu pelo menos um pouco em maturidade é possível perceber que as cachoeiras não são todas iguais, existem ângulos diferentes; um contemplar mais demorado que revela beleza atrás de beleza. Na trilha do casamento, o maduro se alegrará com o tempo desfrutado na companhia do outro, da segurança que a rotina proporciona, e de poder olhar para trás e perceber que, embora exaustiva, de alguma forma as forças são restauradas durante caminhada e nas suas diversas estações, como nos lembra o trecho bíblico: “mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças, subirão com asas como águias; correrão e não se cansarão, andarão e não se fatigarão…” (Is 40:31)


Arco e aliança

No meio da nossa trilha no Parque Iguaçu, ouvimos um som forte, muito forte. Era o som de muitas águas que só aumentava. Chegamos ao ápice daquele passeio, chegamos na famosa Garganta do Diabo, uma das mais impressionantes quedas d’água daquele lugar. Colocamos nossas capas de chuva e, mais uma vez, maravilhados, chegamos mais e mais perto daquele espetáculo da natureza. Nosso menino Daniel, no apogeu do passeio, estava desmaiado no colo do pai e nós, ensopados e encantados.

Não bastasse o incrível barulho, alguns arcos-íris apareciam ali, diante de nós. Diversos tamanhos espessuras e cores. Era impossível não se lembrar de que o arco representava a aliança de Deus com o homem: “toda vez que o arco-íris estiver nas nuvens, olharei para ele e me lembra­rei da aliança eterna entre Deus e todos os seres vivos de todas as espécies que vivem na terra” (Gn 9:16).

Ao fim daquele passeio, daquela descarga de maravilhamento, enquanto observava um arco-íris bem próximo de onde estava, pedi a Deus que permitisse que durante a minha jornada do lado de cá da eternidade, eu pudesse chegar ao ápice, à Garganta do Diabo (esqueça o nome, foque na beleza das quedas d’água e no seu significado como linha de chegada), sendo fiel à aliança. Fiel a Ele em primeiro lugar e fiel ao meu marido. Mais do que fidelidade, pedi ainda que durante a nossa jornada do casamento pudéssemos, nós dois, cada vez mais nos conhecer, nos respeitar e nos parecer cada vez mais com Cristo.


Queridos leitores, infelizmente nós já conhecemos e aconselhamos alguns casais que são cristãos fiéis, pessoas sérias, com resoluções bem definidas em seus corações mas que, enquanto trilham a jornada do casamento ao lado do parceiro, ainda o fazem reclamando de tanta coisa… Independentemente da quantidade de anos, ainda há tanta imaturidade, orgulho, soberba, desejo de que as coisas sejam somente do “seu jeito”.


A jornada assim é mais cansativa, mas, acredite, ela pode ser prazeirosa, ter seus maravilhamentos, ao mesmo tempo em que também é cheia de rotinas, de cansaço, mas com reforços e afirmação de comprometimento.


A aliança foi criada para ser bela, indestrutível e também para nos lembrar de que calmarias e tempestades sempre irão existir… Precisamos estar preparados para todas elas.


Por fim, admito que essa minha experiência em família naquela trilha ecológica foi muito surpreendente, mas eu sei que talvez há quem já tenha ido nesse passeio e não tenha visto essa beleza toda que eu tentei (pelo menos um pouquinho) exemplificar aqui. Quem sabe o dia escolhido estava quente demais, ou com muita chuva, ou quem sabe, em uma época com o triplo de turistas impedindo essa “good vibe”; quem sabe a falta de um boné, de um tênis mais confortável ou de uma capa de chuva fez com que aquela paisagem tenha sido somente cansativa. Sei que tudo isso é possível, somos pessoas diferentes e as circunstâncias proporcionam percepções diferentes.


Mas se eu pudesse recomendar uma segunda chance a este passeio, com um olhar bem calibrado e focado no desfrutar do caminho e na beleza das águas, ah eu recomendaria!


Agora, se a jornada do casamento está mais exaustiva do que você gostaria, lembre-se de que o nosso Deus, o Criador de todos os seres humanos e de todas as coisas, inclusive o criador do casamento, é quem nos fornece ajuda com os meios de graça nessa trilha da vida real; trilha difícil, penosa, porém gratificante e maravilhosa! Ele é o nosso auxiliador e o maior interessado em que nossos relacionamentos apontem para Ele e o glorifiquem nessa terra.

Citando pela última vez Tim e Kathy Keller, durante a nossa caminhada a dois nos lembremos de que “o casamento não consiste em apenas uma forma de amor humano. Não é meramente paixão romântica ou amizade, ou atos de dever e serviço. É todas essas coisas, e mais. É arrebatador!”. Algo me diz que o meu olhar de maravilhamento para as cataratas era o mesmo olhar de maravilhamento dos Keller sobre o casamento… É arrebatador! Pode e deve ser incrível!

Esteja você nessa jornada do casamento há alguns meses ou há mais de cinquenta anos, enquanto houver vida haverá tempo de maravilhar-se com a sua aliança e de esforçar-se para que este caminho seja dia após dia mais bonito e agradável. Quem sabe você precise de um pouco mais de esforço caso seu cônjuge esteja cansado ou abatido, mas lembre-o da promessa que vocês fizeram, lembrem-se da promessa e da força que ela representa. O arco-íris está logo ali. Existe aliança, existe esperança…


 

Gabriela Marold é jornalista, redatora e editora de conteúdo da CULTIVAR & GUARDAR. Casada com Juliano, é mãe da Sarah e do Daniel. Faz parte da Família dos que Creem em Curitiba, PR.



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