Texto por: Luzia Gavina Fotografia: Bethany Beck
Quantos planos já fizemos antes mesmo de nos tornarmos mães? A Maternidade talvez seja a dimensão da vida que mais sofre com abalos nas expectativas geradas. Reproduzimos em nossas projeções os medos de errarmos como possivelmente erraram conosco ou os desejos de superarmos o nível das referências de maternidade que tivemos.
Modelos de Maternidade são cultivados em nosso imaginário, às vezes de maneira despretensiosa, outras de forma intencional. Mas quando o filho nasce, em meio a todo amor descoberto, é como se levássemos um soco na boca do estomago. Nossas expectativas são completamente quebradas, afinal, nada do que pensávamos chega perto da experiência de ser mãe.
Essa sensação de instabilidade gerada pelo novo é fortemente intensificada pelos hormônios no puerpério, mas ela não para por aí e se estende a cada nova fase nos fazendo encarar nossa incapacidade e total falta de controle sobre a vida. Por mais livros que tenhamos lido ou detalhes que tenhamos preparado, tudo o que queríamos era um manual ou uma receita mágica sobre como agir em cada situação.
Talvez seja por isso que somos tão facilmente seduzidas por modelos de maternidade, métodos e algo que gere em nós alguma sensação de segurança. Não há nada de errado em estudar sobre educação de filhos, conhecer métodos, etc. Mas a maternidade é uma experiência tão profunda que é quase inevitável nos agarrarmos a ela para nos definir. Ela nos muda para sempre e nos apresenta um destino glorioso, porém intenso, de entrega e serviço para além de nós mesmas; uma jornada que nos desafia a cada dia por toda a vida. É uma dimensão difícil de comparar, mas ainda assim não é um lugar seguro para se firmar.
É como se, ao nos tornarmos mães, deixássemos de sermos nós mesmas e passássemos a ser a mãe de alguém, como se a partir daquele momento a existência daquele outro ser fosse o elemento que nos definisse.
Esse entendimento, apesar de ter sentido em parte e se mostrar de forma tão bonita, pode nos fazer cair em um romantismo perigoso que nos conduz a firmar nossa identidade na Maternidade e não em seu Criador.
A maternidade é uma linda e poderosa benção de Deus, mas como Calvino já havia nos alertado “o coração humano é uma fábrica de ídolos”, portanto até mesmo uma benção de Deus pode se tornar um ídolo que nos cega para quem nós realmente somos Nele.
Vivemos cercadas por modelos de maternidade que tentam roubar nosso coração.
Ideais que ora romantizam a Maternidade apresentando mães que dão conta de tudo, maquiadas, com um sorriso no rosto e supostamente sem nenhum conflito interior; outros ideais que diminuem a Maternidade e afagam nosso ego minimizando nosso egoísmo e preguiça com o árduo trabalho envolvido no maternar, cultivando assim o senso de Peter Pan de uma geração que não aprendeu a crescer para além de si mesma. Mas seriam apenas essas as únicas vias para se pensar a maternidade?
Como seres humanos abalados pela Queda, somos diariamente pressionadas a firmarmos quem somos em elementos terrenos. A Maternidade, ainda que tenha um aspecto eterno, sofre com a lei do pecado deste lado da Eternidade e talvez por isso sintamos tão facilmente um sentimento de frustração. Afinal, a Maternidade muitas vezes expõe nossa pequenez.
Por mais livros que leiamos, não teremos todas as respostas para a educação dos nossos filhos, por mais que oremos por eles, não temos certeza de seus destinos, por mais que cuidemos deles, não sabemos quantos serão seus dias na Terra e por quais tipos de dificuldades passarão.
Então o poder da mulher que viu ossos se formarem em seu ventre encara sua total limitação. A perfeição idealizada por nós é humilhada ao olhar para Aquele que deu ordem para que a vida fosse gerada através de nós, seja biologicamente ou no coração (Sl 139:13). Essa santa desilusão não precisa se encerrar numa mera frustração, mas pode ser transformada em uma poderosa Revelação.
Somos convidadas a trilhar um caminho diferente que foge das lógicas e modelos terrenos. Há uma dimensão da Maternidade que foi afetada pela Redenção, que nos conduz a firmar nossa identidade em quem somos em Deus e não na Maternidade em si. Porque Ele nos fez filhas, podemos ser mães; Ele determina a nossa maternidade e não o contrário.
Olhar para nós mesmas a partir do nosso Pai nos faz contemplar sua multiforme sabedoria que se derrama sobre cada uma de maneiras peculiares, manifestando assim sua Glória através da nossa Maternidade.
Somente através desse caminho, a frustração pode dar lugar à esperança, pois passamos a contemplar cada processo, ainda que doloroso, árduo, cansativo ou frustrante, como uma nova oportunidade de sermos transformadas.
As frustrações não precisam ser um fim, mas um meio para receber mais dessa esperança.
Luzia Gavina é professora e pedagoga. Casada com Bruno, é mãe do Calebe e do Estevão. Escreveu o livro infantil "Anatólia". Luzia faz parte da Comunidade do Rei em São Gonçalo, Rio de Janeiro.
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