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A Disciplina da Fome por Deus


Fotografia: Mary Skrynnikova


A vida cristã é um termo usado para descrever o espaço existente entre o momento em que somos alcançados pelo Evangelho, e a hora em que morremos. "Eu creio, e agora?" é a pergunta que todo cristão que entende que a salvação não é um fim em si mesmo, mas um meio para ser reposicionado em seu propósito original deve fazer.


A resposta para essa pergunta abrange questões essenciais como: crescer no conhecimento de Deus, obter transformação de valores e caráter, e cumprir sua vocação de testemunhar e pregar o Evangelho perante a sociedade. Por consequência, essas "demandas" decorrentes das implicações do Evangelho, inserem o crente numa série de atividades que operam como liturgias (sejam elas ritualísticas ou ordinárias) ou meios para que o objetivo final seja alcançado, a saber, a eficácia do Evangelho na vida de alguém que foi salvo.


Devemos atentar para o fato de que a fé cristã prega algo que vai muito além de um conhecimento teórico sobre quem é Deus, de uma moralidade e ética cristã apenas comportamental e de um mero exercício de evangelização e defesa dos valores cristãos na esfera pública.


A fé segundo Deus é pragmática e objetiva, pois é norteada por um Livro que apresenta de maneira clara e concreta sobre quais devem ser as ações do cristão – a saber, a Bíblia. Mas ela também é interior e essencialista, pois para tal obediência a essa fé ser plena, deve se levar em conta que o próprio Espírito de Deus foi derramado sobre os que creem, a fim de capacitá-los a uma transformação integral, que considera antes de tudo a interioridade do ser humano.  E, quando levamos isso em consideração, somos impelidos a reconhecer que uma das principais tentações a serem enfrentadas no âmbito da vida cristã, são as ações desprovidas de reflexão profunda, transformação real e testemunho integral e fiel de Jesus.


O modo automático é um risco real em nossas vidas. Ou seja, o engajamento nas atividades concernentes à vida cristã, quando "feitos por fazer" não é suficiente para alcançarmos a experimentação plena no Evangelho, nem provar seu real potencial de eficácia e transformação.

O maior exemplo disso está na própria Escritura sagrada, onde vemos que, com frequência, os profetas e Jesus criticavam a obediência externa aos mandamentos de Deus, a qual não era acompanhada pelo anseio interior e subjetivo que deveria motivar tal submissão (Is 29:13, Mt 23:26).


Portanto, além de haver a necessidade de submissão a Deus, é mister atentar para a forma, a maneira ou o jeito certo pelo qual ela se realiza na vida de um crente. E, dentro desse contexto, devemos atentar para um princípio essencial à vida cristã que pode ser chamado de "fome por Deus", ou "fome espiritual". O qual, apesar de não ser um termo encontrado facilmente nas Escrituras, trata-se de um conceito amplamente difundido nela, pois a fome por Deus consiste no anseio dado pelo próprio Deus e cultivado pelo homem, de que a vontade de Deus seja cumprida plenamente na vida de Seu povo por meio do Evangelho.


A fome por Deus equaliza a ação exterior com o desejo interior. Ela une a transformação de natureza à prática externa. Ela faz com que o louvor expresso pelos lábios seja a extensão do clamor de uma alma que anseia por Deus.

Se a fé cristã é antes de tudo algo relacionado ao interior, a fome por Deus pode ser encarada como "o coração da vida cristã", pois é ela que faz pulsar o anseio divino por filhos à semelhança de Jesus, traduzido no coração do homem pelo desejo por amadurecimento e crescimento no Evangelho.



Compreendendo a "fome por Deus"


Entender a importância da fome por Deus traz consigo o desafio de compreender no que consiste esse conceito. A ênfase num conceito sem a compreensão do mesmo cria uma “hiper-ênfase”, ou seja, a potencialização de uma parte sem a visão do todo, que pavimenta o caminho para a criação de certo extremismo em relação a ele. Tais distorções evocam a necessidade de confronto e correção, os quais nem sempre são feitos de forma cirúrgica e capaz de salvaguardar a verdade que fundamenta tal extremismo.


Eis a razão pela qual há quem enfatize a fome por Deus como o centro da vida cristã (na maioria das vezes, apenas um aspecto é elencado, pois se fosse visto em sua totalidade não assumiria um papel além do que lhe cabe), enquanto há outros que se sentem desconfortáveis ou até mesmo banalizam o tema movidos pela aversão aos extremos que são manifestos em relação a ele.


Em outras palavras, o conceito bíblico de fome espiritual transita na linha tênue entre uma versão romantizada e incompleta, e uma aversão que o banaliza e até mesmo o demoniza. E, enquanto a verdade central não é trazida à luz em meio a esses dois extremos, ambos os lados precisam encarar a realidade da mornidão espiritual. Um lado sofre disso porque apesar de enfatizar o fervor espiritual, nunca alcança sua plenitude por conta de uma visão unilateral, e outro porque apesar de sustentar argumentos que confrontam os extremos, nunca se firma em bases essenciais que ressaltem a sanidade da doutrina.


Uma vez que a fome espiritual é importante para o desenvolvimento sadio e integral da vida cristã, e que ela deve ser compreendida corretamente para que as distorções sejam evitadas, gostaria de propor cinco aspectos relacionados à fome espiritual, que podem nos ajudar na busca por um entendimento equilibrado sobre o tema, a fim de que sua importância seja preservada e exerça seu papel de forma eficaz e frutífera.


1.A fome é um princípio essencial à vida cristã:

A Confissão de Fé de Westminster afirma que a finalidade principal do homem é glorificar a Deus e alegrar-se nele para sempre. Ou seja, originalmente, o homem foi criado para ter seu Criador como prazer supremo, de modo que tudo o que consiste a vida humana estaria voltado para que o homem buscasse a Deus a fim de encontrar satisfação nele. A obra da redenção tem como objetivo nos reposicionar nesse lugar onde o próprio Espírito de Deus nos impele a desejar e buscar a Deus a fim de que este tenha presença completamente influente em cada aspecto da nossa vida.


Não há como pensar em um “retorno ao princípio” sem considerar a fome espiritual.

Portanto, uma vez que a fome é essencial à vida cristã, a ausência de fome espiritual não pode ser considerada uma mera fraqueza e deslize que ocorre comumente na vida de um crente ou de uma comunidade de fé. Antes, ela deve ser tratada como uma doença, tal como a ausência de fome física aponta para um organismo que não está saudável.


Cristo, sua obra e seus interesses devem ser o principal objeto de desejo dos cristãos. Sempre quando algum desses aspectos deixam de ocupar o lugar de “finalidade” para se tornar um meio voltado para algum tipo de interesse humano, por mais supostamente robusto que seja o pensar teológico, por mais fervorosa que pareça ser a vida devocional, por mais numerosa que sejam as obras de dedicação à Igreja e sociedade, não há nada a evidenciar a não ser apostasia ao verdadeiro Evangelho.


A fome espiritual move a vida cristã a um nível profundo de entrega a Deus tal como o anseio pelo cônjuge e os compromissos assumidos são a força motriz  do matrimônio. Esse anseio precede a obediência ou é precedido por ela, ele fortalece a rendição e é fortalecido quando o crente se prostra diante de Deus. Não importa quem vem primeiro, a questão central é que o verdadeiro compromisso do cristão com Deus está fundido de forma inseparável à fome por Deus.


2. A fome é um dom dado por Deus, cultivado em parceria com o homem:


As Escrituras dizem em Romanos 3 que todos pecaram, que não há um justo sequer, e também que não há ninguém que busque a Deus (Rm 3:11). A ação do homem em direção a Deus só pode ser um dom de Deus. Quando somos alcançados pelo Evangelho, o Espírito de Deus é derramado em nós, e Ele nos leva a nos inclinar para as coisas do alto. Ou seja, a fome é antes de tudo um dom de Deus. É somente pelo sangue de Jesus que podemos nos achegar perante Deus e buscá-lo.


A fome ou o anseio por Deus é antes de tudo um dom de Deus dado juntamente com o Espírito Santo no ato da conversão.

Em Colossenses 3, após Paulo expor aspectos relacionados à obra redentora de Jesus em favor do seu povo, ele nos orienta a buscar as coisas do alto e se apartar das coisas concernentes à nossa natureza caída, deixando claro que uma das implicações imediatas de termos sido salvos por Deus é o dom da fome espiritual que é derramado em nós, pois sem ele, não seriamos capazes de buscar a Deus por nós mesmos.


Vale notar que, apesar de ser um dom dado por Deus, a fome espiritual é algo que necessita de cultivo e administração correta, como todos os demais dons que Deus dá ao seu povo. A fome espiritual pode ser grande ou pequena, forte ou fraca, crescer ou diminuir, mas, por conta de sua essencialidade, jamais pode ser ignorada no contexto da vida cristã. Por ser um dom divino, a questão não é se Deus nos deu fome, porque isso é um fato absoluto e generalizado. A questão central está em como vamos cultivar o anseio por Deus.


Não somos definidos pelo que Deus nos dá, mas pela forma como respondemos ao que Deus nos dá (vide por exemplo, a parábola dos talentos em Mt 25). Do mesmo modo, não somos definidos pela fome que Deus planta em nós, mas pela maneira como respondemos a ela e pelo modo como a cultivamos. Da mesma forma que criar um jardim aponta para a soberania de Deus e colocar o homem para cuidar desse lugar aponta para a responsabilidade humana, o dom divino da fome espiritual e sua necessidade de cultivo apontam para uma parceria inseparável entre Deus e o homem.


Quando percebemos que as dinâmicas da vida cristã, os imperativos dos mandamentos divinos e as implicações do Evangelho são o ambiente onde essa fome é nutrida e potencializada, cada ação cristã assume um significado mais profundo e excelente. Não há espaço para modo automático quando todo nosso ser está voltado em cultivar e guardar o anseio por Deus.

As ações sacrificiais deixam de ser pesadas, as tentações deixam de ser insuportáveis, o mundo já não é tão atraente e as virtudes celestes passam a ser nosso objeto de ambição.

Nossos valores mudam da mesma forma que o mundo daquele que se apaixona intensamente por alguém é visto por uma perspectiva completamente diferente a partir desse momento. Assim, vamos além de enxergar a necessidade de sujeição às coisas concernentes a Deus, e passamos a gostar delas, amando o que Deus ama e abominando o que ele abomina.


A fome espiritual é o lugar onde Deus e o homem se encontram, haja vista que Deus ama o homem de “tal maneira” e ao homem foi dado o dom de amar a Deus com o amor do próprio Deus derramado em nossos corações pelo Espírito.


Quando percebemos que Deus plantou fome no jardim do coração de cada regenerado, e que nossa vocação principal é zelar por esse lugar, a vida cristã deixa de ser um fardo a ser suportado até nossa morte e passar a ser um oceano de oportunidades de antecipar o propósito central da eternidade: conhecer a Deus, glorificá-lo e se alegrar nele.


3. A fome espiritual é um princípio universal e generalizada:

Existe um elemento unificador na fome espiritual tal como a fome física age em todo nosso corpo, se manifesta de todas as formas possíveis, conecta interesses interpessoais, e ambiciona tudo o que tem potencial para saciá-la verdadeiramente. A fome por Deus é universal e generalizada, podendo ter essa característica vista por quatro aspectos distintos: ela abrange todo nosso ser, se manifesta em todos os aspectos de nossas vidas, está presente em toda a Igreja contemporânea e histórica, e tem por ambição tudo o que diz respeito a Deus.


Ela afeta todo nosso ser: Da mesma forma que todas as partes do corpo humano são afetadas quando ele está com fome física, a fome espiritual genuína afeta todo nosso ser. A fome pode começar se manifestando por diferentes esferas do ser, não há uma regra geral. Há pessoas que percebem a necessidade de buscar Deus movidos pela dimensão do desejo e da emoção. Há quem comece a manifestar fome por Deus motivado por uma convicção via entendimento. É há ainda quem simplesmente ordene seu comportamento para tal busca sem que necessariamente esteja entendendo em plenitude, ou sentindo algo.


Não interessa muito por onde a fome espiritual vai começar a se manifestar. O ponto é que, da mesma forma que a fome física quando intensificada, leva a pessoa a direcionar todo o seu ser em torno de um único objetivo, a fome espiritual é capaz de ordenar nosso homem interior e exterior em uma busca integral por Deus. Não há problema em cada pessoa ter ênfases mais intensas que outras em suas maneiras de expressar fome por Deus, desde que ela entenda “todo o pacote” que envolve a fome espiritual.


Existem pessoas que são taxadas como se não tivessem fome por Deus simplesmente porque não gritam e não choram tanto, enquanto que há outros que por chorarem e gritarem como expressão de sua fome por Deus, são tidos como emocionalistas.


A questão é que a fome espiritual não possui um estereótipo, antes, ela possui um alvo.

E, da mesma forma que a fome física levará a pessoa até o alimento, a fome espiritual levará o crente a ser profundo em Deus. E, assim como é fácil distinguir uma pessoa desnutrida de uma pessoa bem alimentada, não há muita dificuldade em reconhecer quem anda com Deus e quem não anda. Esse, deve ser o verdadeiro “termômetro” para a atestar a fome espiritual: o que ela promove e não como ela se manifesta.


Ela se manifesta na totalidade da vida cristã: Existem pessoas que supostamente, manifestam fome por Deus no ambiente de culto. Elas interagem com o louvor, anotam a pregação, participam regularmente das programações da Igreja local, mas que, fora desse ambiente congregacional, oram e jejum com frequência, mas não manifestam nenhum tipo de piedade. Isso deve ser visto como o exercício uma liturgia que não transforma, um culto que não aperfeiçoa e uma devoção que não é integral. Isso ocorre porque na verdade são pessoas que não buscam Deus por amor, mas que amam a busca por Deus. Elas adoram sua consagração e não o Deus para quem se consagram. Assim, a religião se torna o ídolo delas.


Por outro lado, há quem diga que não importa o que é feito no ambiente litúrgico e congregacional, mas sim o que é feito a vida ordinária. “Não tem a ver com separar um tempo pra orar, mas em orar em todo tempo”, “não tem a ver com jejuar, mas em comer pra glória de Deus”, “não tem a ver com ser inteiro durante o culto, mas em ser inteiro durante a vida”. Na maioria das vezes, quem fala isso não ora, não jejua, não busca a Deus em momentos específicos, não cultua de verdade e não tem comunhão genuína com a Igreja.


Por banalizar as liturgias pessoais e coletivas, o conceito de vida comum se torna apenas uma camuflagem para esconder a realidade de uma vida superficial e infrutífera que agora está travestida de cristianismo.


Em Lucas 18, Jesus critica, a oração do fariseu que se apoiava no tanto que ele orava e jejuava, mas, mesmo assim, no sermão do monte ele não diz “se” orares ou “se” jejuares, mas “quando”, ressaltando a importância dessas práticas e de outras ações manifestas no ambiente litúrgico pessoal ou coletivo. A Escritura diz que nós não seremos ouvidos por Deus por muito falar, mas, mesmo assim, ela nos orienta a orar continuamente; elas não dizem que somos salvos por ler a Bíblia, mas nos orienta a meditar nesse livro continuamente. Portanto, a verdadeira fome espiritual não irá anular uma coisa em detrimento da outra.


Nós não podemos romantizar nossa fome por Deus como se ela fosse algo restrito a ser manifesto somente quando oramos, lemos a Bíblia e cultuamos em comunidade. A genuína fome por Deus irá afetar toda a nossa forma de viver a vida comum. Da mesma forma, não podemos banalizar o impacto que as liturgias pessoais e comunitárias possuem para alimentar uma fome genuína por Deus. Separar um tempo pra orar, ler as Escrituras, jejuar, cultuar coletivamente com inteireza de coração, são elementos essenciais em nosso processo de cultivo da genuína fome por Deus. E entender que o ambiente litúrgico é o meio para a manifestação da nossa fé numa esfera maior, é de igual importância.


Ela está presente em toda a Igreja:  Da mesma forma que a fome afeta todo o indivíduo, ela também está presente em todas as tradições cristãs que perseveram na sã doutrina. A doutrina da fome por Deus (vou usar esse termo haja vista a amplitude desse conceito na Escritura sagrada) é um tema ressaltado por todos os cristãos piedosos que foram vozes relevantes na história da Igreja. De um modo ou outro, homens e mulheres que obtiveram bom testemunho perante Deus e os santos, buscaram tratar desse tema, ainda que se utilizando de termos, abordagens e aplicações diferentes.


Todos eles trataram daquilo que podemos chamar de “fervor espiritual”. Isso não se restringe apenas aos teólogos místicos e mestres devocionais, mas diversos pais da Igreja, reformadores, avivalistas e cristãos das correntes doutrinárias e tradições mais variadas, transitaram sobre esse assunto. Assim também, esse tema se faz presente nas mais diversas correntes do cristianismo em toda a terra. Em outras palavras, a fome espiritual é um elemento presente em absolutamente todos os ambientes em que o povo de Deus se reúne em nome de Jesus.





Assim, não há necessidade de ter que escolher qual a tradição cristã é mais proveitosa para nutrir nossa fome por Deus (embora, seja óbvio que iremos sustentar nossas identificações e preferências), pois todas as que perseveram na sã doutrina e são condizentes com a Escritura, terão esse tema em voga no seu corpo doutrinário. Ainda que, isso não signifique que os conceitos que fundamentam e as expressões pelas quais se manifestam sejam os mesmos. De sorte que, se há alguma ênfase doutrinaria que em sua essência, não considere a importância de fome espiritual, ela por si só não é bíblica.


Ela ambiciona todas as coisas concernentes a Deus: A fome por Deus não contempla somente a Pessoa de Deus como se Ele fosse um objeto de veneração particular a ser cobiçado pelo crente. Não há como romantizar a fome por Deus como se ela se resumisse no cumprimento das disciplinas espirituais de oração, jejum, estudo e adoração (embora elas sejam fundamentais), a fome espiritual vai muito além disso. Deus é sim um Deus pessoal que se manifesta de diversas formas ao seu povo, mas ele também tem um plano para exercer, um povo para cuidar, uma criação para restaurar e uma vontade para cumprir. De modo que, a fome por Deus não é a mesma coisa que “fome somente por Deus”, mas sim “fome por tudo o que interessa a Deus”.


Você não se casaria com uma pessoa que deseja estar somente com você, mas não se importa com seus projetos e realizações, não dá interesse às pessoas que ama e nem assume responsabilidade em ser seu parceiro em todos os aspectos da vida. Do mesmo modo, se seu cônjuge fosse comprometido com tudo o que lhe diz respeito, mas não demonstrasse amor, desejo e admiração, você não estaria contente com a situação. Assim também, não há como separar Deus dos interesses de Deus, e a fome espiritual é o elemento capaz de nos fazer enxergar ambos aspectos como simultâneos e complementares, promovendo o desenvolvimento de uma relação afetuosa e fraternal, mas dinâmica e participativa nos projetos divinos.


4. O paradoxo da fome por Deus

A satisfação em Deus nem sempre é algo que acontece de imediato, pois devemos considerar que nosso apetite espiritual não muda do dia para a noite. Por muitas vezes, não vamos sentir algum tipo de emoção satisfatória em primeira instancia, até que, em determinado momento, nossa busca é contemplada por contentamento e felicidade genuína. O problema é que em muitas vezes, nós desistimos facilmente de nos dedicar a Deus porque encontramos coisas que satisfazem mais rápido e nem sempre são ilícitas, nos desviando do propósito supremo de encontrar gozo no Criador. Mas, existe um paradoxo muito interessante nisso, pois quem busca se satisfazer facilmente nas coisas terrenas, sempre estará insatisfeito e consciente de um vazio interior, enquanto que, aqueles que aprendem a conviver com a dor a fome espiritual, encontram satisfação genuína.


Embora seja bela, a fome não é algo romântico. Tal como a fome física pode nos humilhar e nos trazer um profundo desconforto e sofrimento, assim também, buscar a Deus na maioria das vezes não é algo confortável e agradável de imediato. Buscar a Deus envolve se lembrar continuamente dos seus pecados que são expostos diante da santidade divina. É mais fácil achar que somos bons, mas isso nunca irá promover em nós a verdadeira transformação. Buscar a Deus envolve ter como centro da nossa pré-ocupação a Igreja do Senhor, e não nossos planos e projetos pessoais. É mais fácil não se importar tanto com o povo de Deus, mas dificilmente encontraremos uma causa mais nobre e satisfatória para viver, haja vista que a Igreja está no alvo dos elevados interesses de Cristo. Buscar a Deus envolve ter Cristo como nosso parâmetro, e não nossa autenticidade caída. É mais fácil cultuar nosso temperamento, personalidade e costumes, mas dessa forma, nunca descobriremos quem de fato somos.


Eis o paradoxo da fome espiritual. A satisfação está em aprender a viver com fome, movidos pela consciência de que há algo a mais que ainda não provamos. Enquanto que, a insatisfação e tédio se perpetuam quando tentamos nos saciar com coisas terrenas e temporais, que por mais lícitas que sejam, não são capazes de satisfazer o clamor de uma alma que foi feita para encontrar seu deleite em Deus.


5. Qual o limite da fome por Deus?

O aspecto mais surpreendente da fome espiritual é que ela não tem fim.


Quem se alimentar de Jesus nunca mais terá fome e quem dele beber nunca mais terá sede. Ao mesmo tempo, quem dele come e bebe sempre irá voltar querendo mais.

Isso é muito profundo para ser contemplado, mas a razão que fundamenta tal fato é muito simples: Deus é infinito. É na infinitude de Deus que há sempre uma razão nova para ele ser chamado de Santo de eternidade em eternidade por aqueles que o contemplam. Enquanto nele houver algo novo a ser revelado, sempre haverá em nós a possibilidade de provar uma nova dimensão da fome espiritual.


Nós podemos ter uma boa teologia sobre Deus, mas ele é infinitamente maior que qualquer explicação que a Bíblia e todo o universo tem a trazer sobre Ele. Nós podemos ser pessoas retas e de caráter, mas a santidade de Cristo é infinitamente maior que nossa moralidade. Nós podemos nos dedicar com avidez à edificação da Igreja e ao bem do mundo, mas servimos um Deus que se deu em todos os aspectos de sua vida por seu povo e sua Criação.


Ou seja, sempre temos o necessário para dar mais um passo, mas nunca teremos o necessário para dizer que chegamos.


Concluindo essa breve e limitada exposição sobre o assunto, podemos entender que os impactos transformacionistas que a fome produz chegarão ao fim quando atingirmos a maturidade plena, mas o anseio que move a fome pelo Deus que há de nos transformar jamais irá chegar ao fim. E o Evangelho nos traz uma boa notícia a respeito disso: essa jornada já começou e aguarda pelo nosso engajamento total.


Busque a Deus! Sigamos e prossigamos em conhecê-lo!


 

Felipe Bartoszewski é empresário e fundador da Escriba Couro. Casado com Juliana, é pai da Helena, da Giovana, do João e do Tiago. Faz parte do time de pastores da igreja Família dos que Creem, em Curitiba, PR




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