Texto por: Jéssica Lima Fotografia: Andrew Neel
Talvez você pisque mais de uma vez diante do título deste texto. É certo que fracasso e felicidade não parecem ser do grupo de palavras que aparecem juntas em uma mesma frase.
Ao contrário, somos cada vez mais direcionados a desviar os nossos rostos de qualquer sinal de fracasso e fugir dele com a maior velocidade possível. A todo instante, procuramos por atalhos, tutoriais e para os mais empenhados — livros que nos ensinem a viver de um modo que finalmente, abracemos o sucesso.
O sucesso passa a ser um definidor — uma espécie de régua — apta a definir se estamos caminhando do jeito certo. Do outro lado, estão as falhas, instabilidades, o não saber, a procrastinação, o medo e tudo mais que “embace” a nossa visão.
Nos sentimos perdidos ou sem valor quando não temos uma credencial que numere as nossas realizações. No fim do dia, são muitos os que patinam para encontrar o próprio ritmo ao longo dos dias ordinários e extraordinários.
Fracasso passa a ser uma palavra que por si só traz um amargo intenso nos lábios de quem ousa dizê-la em alto som. Afinal, o que sobra quando não conseguimos atingir o que planejamos e idealizamos?
Mais sombrio ainda é pensar na possibilidade de fracassarmos naquilo que sabemos que é o próprio Deus quem nos instrui a cumprir, em primeiro lugar. Decepcionar a Deus — que imagem terrível. O que sobraria quando tudo o que somos ainda não é capaz de cumprir a checklist do mundo?
De repente, o véu é reconstituído. Nos sentimos separados e invalidados. Em Romanos, estava escrito: nada em toda a criação é capaz de nos separar do Seu amor. Todavia, damos passos para trás. Nos escondemos.
Pessoas que fracassam podem ser plenamente amadas?
Fé para não fracassar
No livro “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, C.S Lewis ilustra de forma brilhante e criativa os artifícios usados pelo inimigo ao lidar com seres humanos. Na obra, conhecemos dois personagens: O “professor” Maldonado e, portanto, um demônio mais “experiente”, e Vermelindo, o demônio “aprendiz” que recebe as cartas com instruções e recomendações vindas de seu professor para atingir mais sucesso na missão de afastar indivíduos do Senhor — chamado por eles de “o Inimigo”.
Em uma das cartas, Maldonado escreve: “Uma vez que você tenha feito do mundo um fim e da fé um meio, terá quase conquistando o seu homem”. Com cada vez mais frequência, vemos cristãos muito bem intencionados e com grandes doses do que chamamos de amor e boa vontade em nossos corações, utilizando da fé como um mero instrumento para alcançar o sucesso e portanto, o mundo. Somos bons em mascarar nossos anseios egoístas em boas intenções, até para nós mesmos.
Não pense que aqui se enquadram apenas os exemplos mais óbvios de ambição e egocentrismo, afinal, é fácil tornar-se fissurado pela ideia do completo sucesso em seu casamento, na criação de seus filhos, no exercício ministerial e em tantas outras funções que por si só, não são ruins ou maliciosas, mas que podem esconder a necessidade de sermos validados por outros e em grande medida, por nós.
Parece mesmo uma sentença horrível a de não sermos reconhecidas como mães exemplares, pais provedores, artistas criativos, líderes inspiradores. Nesse sentido, a fé recebe a missão de atuar como uma espécie de combustível, uma ponte para a “terra prometida” que, ao invés de emanar leite e mel, transborda elogios, convites, reações em redes sociais ou bens conquistados e “merecidos”, exibidos como troféus em estantes e materiais úteis para inflar uma autoestima frágil e que logo se esgota.
O fracasso nas Escrituras
Sabe onde encontramos uma quantidade avassaladora de histórias de fracasso? Nas Escrituras. Não faz sentido? Um versículo é ideal para nos mostrar que sim:
“Mas ele me disse: 'Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza'. Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte.” (2 Coríntios 12:9-10)
Não fomos feitos para habitar em histórias de sucesso e nos regozijar apenas quando avançamos linhas de chegada, embalados pelo som do público alvoroçado e inebriados pelos gritos que nos celebram.
Somos criaturas, feitos filhos pela Graça, criados para habitar na presença de um Deus santo que nos diz — quando você é fraco, é que se torna forte. Quando você perde sozinho, eu apareço para ganharmos juntos, não o que você deseja, mas o que você precisa para se assemelhar mais comigo.
Antigo e Novo Testamento apontam para um Deus que em meio aos fracassos de seus filhos, ainda conduz a criação pelos seus decretos perfeitos, tudo para a sua perfeita glória. Temos em mãos o livro em que mares são abertos para o povo atravessar, mas em que o grande líder, Moisés, não entra na terra pela qual tanto caminhou. Onde filhos vencem gigantes, poupam a vida de seus maiores inimigos pelo temor ao Senhor, mas sucumbem ao pecado da luxúria e são capazes de tirar a vida de um homem para que sejam supridos os seus próprios desejos.
Onde homens vencem ursos, carregam portões e exibem a força de super-heróis, mas que são traídos pelas suas próprias inclinações e se veem sem a Fonte verdadeira da qual provém suas forças, e precisam encarar o vazio (Juízes 16).
Narrativas em que profetas experimentam experiências extraordinárias, como a de receber alimento trazido por corvos e se veem usados como instrumento para profecias em um tempo onde essa era a forma como Deus se comunicava com o seu povo. Encaram obras grandiosas mas, ainda assim, são tomados pelo desespero ao ponto de clamarem ao Senhor pela própria morte (1 Reis 19:4).
Esse é o Deus que não opera em meio a uma sequência de sucessos e construções completas, mas que atrai para si uma mão de obra composta por homens e mulheres imperfeitos, suscetíveis ao fracasso e confundidos por seus sentimentos, mas que ao se submeterem às suas mãos, torna-se vasos nas mãos de bom Oleiro. Esse não é um criador de narrativas heroicas, mas felizes somos por isso.
Livre-se do seu ego
A fobia ao fracasso denuncia uma insistência desnecessária presente em nós — a dependência dos tribunais humanos. Somos dominados pelos julgamentos advindos de terceiros e não menos, por aqueles que nós mesmos proferimos. Assim, persistimos presos às sentenças que achamos que podem reafirmar quem somos.
O pastor e escritor Timothy Keller, em seu livro “Ego Transformado”, afirma que Paulo descobriu o segredo para não ser dominado pelo ego e o revelou no seguinte trecho da carta aos Coríntios: “Pouco me importa ser julgado por vocês ou por qualquer tribunal humano; de fato, nem eu julgo a mim mesmo. Embora em nada minha consciência me acuse, nem por isso justifico a mim mesmo; o Senhor é quem me julga” (1 Coríntios 4:3-4). Portanto, não devemos carregar como fardos o que outros pensam, mas, sobretudo, nem mesmo o que pensamos sobre nós mesmos é o que mais importa e assim, são pesos que já deveriam ter ficado para trás.
Você pode ter compreendido que não é definido pelas suas obras e que aquilo que o Senhor diz ao seu respeito é a verdade, mas será a essência de seus hábitos, escolhas, comportamentos e a pressão interior gerada em sua mente — e coração — ao pensar na possibilidade de encarar um “fracassado” diante do espelho é que mostrará de forma genuína quão profundas são as suas raízes de confiança.
Não somos felizes pelos nossos erros ou por repetirmos os mesmos pecados, somos felizes porque no lugar que nasce a vergonha, também frutifica a misericórdia. Não somos felizes por sofrermos e de fato não ansiamos pelos dias de lamento e dor, mas nos alegramos porque até mesmo o sofrimento gera construções que nos aproxima de nosso Deus e porque há consolo para os que choram e esperança para os que Nele se refugiam. Contemplamos os sinais da alegria que excede todo entendimento.
Podemos, então, abandonar os nossos egos inflados, soltar as cordas firmes e sufocantes da autocobrança e nos deleitar no sucesso estrondoso da Cruz.
Podemos aceitar que sim, somos inferiores e isso é tudo o que seremos! Nunca haverá escada tão inclinada que possa nos conduzir ao topo que alivia os nossos anseios de forma permanente. Tudo o que temos são degraus, irmãos ao nosso lado e um Deus que olha para seus filhos tolos, insensatos e encharcados pelo fracasso, mas que diz: “Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu”.
Jéssica Lima é jornalista e uma das responsáveis pelo projeto nossas folhas, um espaço de leitura e escrita. Faz parte da Igreja Batista Renascer em Goiânia, GO.
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