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Por que Precisamos Falar Sobre a Morte?


Texto por: Jorge Anderson Missional | Fotografia: Kier In Sight



*Uma reflexão sobre o filme “Uma Vida Oculta”, de Terrance Mallick.


Onze de março de 2020. Luís, apoiado na bancada da padaria onde trabalha, assiste ao anúncio transmitido ao vivo pela televisão: decretada pandemia do novo e assustador vírus descoberto na China. Decorando as paredes envelhecidas da loja, há uma imagem de Santa Sofia, uma vela acesa e outros símbolos religiosos. O dia é cinzento e triste, um prelúdio do que viria...


Em 2019, um pouco antes da decretação de pandemia, Terrance Mallick, um dos mais aclamados diretores do cinema mundial, decide lançar seu filme “Uma Vida Oculta” (A Hidden Life). Nem o fictício Luís ou o consagrado diretor Terrance Mallick tinham noção do que marcaria o ano de 2020.


O filme de Mallick faz todo sentido ao tempo que vivemos. A pandemia do coronavírus tornou-se uma catástrofe sanitária; o maior acontecimento histórico após a Segunda Guerra. Seus números são assustadores, milhões de pessoas infectadas e outras milhões de mortes contabilizadas. Assistimos perplexos os hospitais e sistemas nacionais de saúde de todos os continentes, ricos ou pobres, em colapso; não há nada parecido na história recente da humanidade.


A pandemia do Covid-19 abalou o maior alicerce do mundo ocidental pós grande guerra: nossos sistemas políticos e sociais que nos prometiam considerável segurança.

Todos nós, de repente, nos vimos potencialmente alvos de uma morte repentina, grotesca e sem direito a um velório digno. Um pesadelo!


Baseado numa história real, a obra cinematográfica conta a história de um fazendeiro austríaco chamado Franz Jägerstätter, que se nega a jurar fidelidade a Hittler e se juntar ao exército nazista, levando sua decisão até as últimas consequências. O filme é em grande parte construído sobre o período de sua prisão. Ali, desenvolvem-se inúmeros diálogos de Franz e sua esposa Franziska, através de cartas, sempre lidas de forma poética e numa junção de imagem e som que invocam nossa sensibilidade mais profunda – é difícil não vir as lágrimas em diversos momentos.


Há, também, muitas orações que conferem um componente fortemente religioso cristão ao filme, característica muito presente nos filmes de Mallick. Ele parece procurar resgatar valores cristãos esquecidos em cada novo filme, que fogem do formato convencional hollywoodiano. Sua forma de construir a narrativa é diferente, e isso faz do diretor americano um dos mais originais de seu tempo. O filme é uma obra prima do cinema e uma verdadeira obra de arte cristã.


Uma Vida Oculta é um filme sobre a morte e um filme que nos ensina a morrer.

Por mais que seja difícil esse tipo de discurso, estamos diante da morte, e como agiremos como crentes em Jesus? O cristianismo ocidental não está acostumado com a morte, a ideia da inexistência do dia pra noite nos aterroriza. Acredito que essa pandemia colocou em cheque a nossa falsa ideia de segurança. Nos acostumamos a ter garantias. O estado organizado com todas as suas garantias é o grande “deus” de nosso tempo, mais do que o dinheiro.


O cristianismo está cheque; oramos por cura e muitos dos nossos crentes morrem, somos pegos de surpresa com a morte tão prematura, e tão condicionados ao espírito de nosso tempo, indagamos em nosso pensamento “meu Deus, não imaginei que essa pessoa morreria agora. Ele ou ela era tão saudável, cheio de planos”.


Dormimos com nossos seguros desempregos, nossas garantias contratuais, nossos contratos sociais e acordamos sem saber se o mundo ainda existiria daqui uns meses. A gente de nosso tempo sempre acha que tudo vai acabar bem, mas muito de nossos irmãos não tiveram o final esperado. Que garantias temos diante de tal incerteza? Se o imponderável nunca foi tão presente antes e se a morte é uma possibilidade mais do que real, pois sempre foi, mas a gente era cínico o bastante pra não tocar no assunto, até que o assunto apareceu na nossa porta, ou melhor, em nosso mundo.


Precisamos reaprender a morrer.

Você pode achar esse discurso mórbido, mas o cristianismo é mórbido, sua mensagem é a morte voluntária de Deus. Em Jesus, Deus nos lembrou da brevidade da vida, e não importa quanto tempo se viva, mas para quem se viva. Só há um jeito de se salvar da morte, morrer com a dignidade de um cristão, só nisso há ressurreição, só assim há futuro para o cristianismo diante de sua luta com o niilismo que reduz a vida a contingência.


Assim, o exemplo pascoal de Jesus em sua morte de cruz continua sendo fundamental em nossas vidas. A cruz é Deus nos ensinando a morrer. A cruz não é autopreservação ou uma teologia de “seguranças e garantias”, é como bem disse o apóstolo Paulo: um chamado a sermos entregues como ovelhas para o matadouro, a nos expor aos riscos de viver no mundo e encarando a dor como um verdadeiro discípulo de Jesus.


Assim foi desde o começo da fé cristã, na qual homens aceitaram que a morte poderia acontecer, negaram-se as garantias da pax romana e entregaram-se ao serviço sacrificial. Ser cristão é já estar morto quando encontra-se com o Cristo em Damasco, assim não devemos temer mais a morte.


Se o Senhor quiser nos levar, somos Dele!

Não é uma defesa da morte, a morte nunca foi bela, é um terror, uma separação dolorosa, porém, a fé cristã genuína exige um comportamento perante a morte - não a tememos mais, pois teremos nossos corpos ressurretos no último dia!


Uma Vida Oculta é um filme sobre inúmeros homens e mulheres, que por uma convicção de fé, aceitaram seu destino, suas cruzes, muita das vezes atrozes, violentas, injustas. É um filme sobre homens e mulheres sem nomes conhecidos na Terra, mas conhecidos no céu. Homens que, pela convicção de suas vidas, nos parecem tão distantes, tão em falta.


De todas coisas que precisamos reaprender, com Mallick ou com a pandemia, é morrer na mesma cruz de Jesus. E se a morte bater nossa porta, que sejamos corajosos e façamos valer a tradição de nossos pais apostólicos, pois da mesma forma que glorificamos o Senhor em nossa vida, assim também devemos glorificá-lo em nossa morte.


Assim diz o texto sagrado:


“No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (1 João 4:18)


 

Jorge Anderson Missional é militar e estudante de Filosofia. Casado com Monique, pai da Laura e do João Eduardo. Serve na Rez Church Rio e mora em Niterói,RJ.

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