Texto por: Letícia Guimarães | Foto: Ketut Subiyanto
Quatro crianças entram em um guarda-roupa na casa de um quase desconhecido e descobrem um mundo aberto apenas para elas. Em Nárnia, lemos uma delicada metáfora do nosso relacionamento pessoal com Deus, por meio da literatura e da fantasia.
O autor, sem dúvidas, foi uma das minhas maiores referências de escrita ao longo da infância e adolescência. Para mim, era incrível pensar sobre como era possível transmitir mensagens cristãs de forma tão incisiva e suave através da ficção. Nárnia foi como uma viagem a um universo distante. Abri o livro, transportei-me para dentro de suas páginas e até hoje me aventuro nesse mundo fantástico.
Se minha imaginação pudesse voar, voar e voar longe, viajaria para uma aula de escrita criativa com o próprio Lewis. O autor fez questão de nos deixar algumas obras sobre a sua relação com o texto, além de percepções quanto ao fazer literário, as quais podem ser encontradas em livros como “Sobre Histórias” ou até no ensaio “Três maneiras de escrever para crianças”. Todas essas leituras são altamente recomendadas.
Hoje, entretanto, conto sobre como foi a minha "aula particular de escrita", lendo o autor desde os 12 anos e aplicando aprendizados em textos pessoais bem como textos dramáticos para a igreja.
Na Literatura, devemos beber das boas fontes.
Na sua autobiografia, “Surpreendido pela Alegria”, o escritor faz menção a alguns autores que considerava marcantes.
Ele vivia um conflito: era ateu, mas não se continha ao admirar a obra de outros mestres da palavra, os quais, infelizmente, eram cristãos. Como explica no livro, parecia que essa gente pipocava por todo o lado... G. K. Chesterton e George MacDonald constituíam alguns desses autores com os quais meneava o mundo dos livros e que o perturbaram a ponto de refletir sobre o que tinham em comum, a fé no cristianismo.
Para quem quer escrever, repertório é fundamental.
Leituras que cativam nosso intelecto são como um aquário colorido do qual não conseguimos tirar os olhos ao observar os peixinhos. E as leituras que cativam o coração são capazes de movê-lo como ondas de um tsunami. Há algo mais abaixo do solo se movendo e gerando mudanças no relevo das nossas vidas.
Se nosso relacionamento com Deus é pessoal, podemos ouvi-lo em uma multiplicidade de formas.
Costumo dizer que uma das comparações mais lindas à intimidade com o Senhor que já li está contida em “O Cavalo e Seu Menino”, quando Aslam revela ao personagem principal (Shasta) como ele mesmo era o leão que vez ou outra via na sua jornada. Depois, quando o menino o inquire sobre o que aconteceu com outra personagem, o Leão deixa claro como só conta a cada um a história que lhe pertence. Como isso é particular! Percebo como, por meio da linguagem artística, Deus também narra a cada um de seus artistas fragmentos de histórias que podem ser materializadas em obras que dialogam com a vida.
Analisar é bom, mas precisamos de sensibilidade ao contemplar.
Umas das maiores lições que aprendi sobre escrita com C.S. Lewis é a de manter aberto o ouvido do escritor. Ser aquele que é capaz de ouvir o som dos passarinhos e lembrar como cada um deles está sendo cuidado pelo Senhor, como lemos em Mateus 6.
Precisamos saber descansar para escutar e, enfim, escrever. Quando narra o processo de investigação filosófica que levou ao abandono do ateísmo na sua autobiografia, Lewis comenta que, se um dia Shakespeare e Hamlet se encontrassem, com certeza seria por obra de Shakespeare. Não caberia a Hamlet tal iniciativa. Ele precisaria de alguma forma se colocar em diálogo com o Autor.
A entrega ao ouvir abre espaço para contemplar as maravilhas do Criador. Seja na vida, seja na escrita.
A ficção é um choque de realidade e o faz de conta nos faz a viajar por caminhos que encantam e cativam. Para começar a ler C.S. Lewis, vale percorrer algumas das “Crônicas de Nárnia”, mas também conhecer um lado mais satírico do autor em “Cartas de um diabo a seu aprendiz”. Em seguida, é bem provável que o tempo voe, voe e voe e você se descubra um ávido leitor do autor britânico.
Mas quem sou eu para dizer onde você vai parar?
Letícia Guimarães é publicitária, mestranda em Comunicação e apaixonada por literatura e escrita criativa. Serve na Assembleia de Deus em Curitiba, Paraná.
Excelente texto, realmente a escrita de Lewis inspira e cativa, minha duologia de livros de fantasia foi em grande parte inspirado por sua escrita, sou um ávido leitor deste autor incrível, parabéns a Leticia pela análise e comentários pontuais, Deus abençoe a todos os escritores e equipe do cultivar e guardar