Texto por: Ana Rute Cavaco | Foto: Nikko Tan
Oeiras, Portugal, 16 de Janeiro de 2021
Começo este texto em um domingo à tarde, no sofá da minha casa, com o aquecimento ligado. Lá fora a temperatura marca dez graus, está vento e chove. Um dia perfeito para ficar em casa – diriam alguns. No meu coração, nada me soa a perfeição.
Os números da pandemia da Covid-19 em Portugal foram classificados neste momento como o pior país do mundo no que toca à taxa de contágio e mortalidade desta doença, e por causa desse perigo, hoje não tivemos serviço de culto – nem sabemos quando voltaremos a ter.
Pela manhã, não houve a correria habitual, nem escolha de roupa. Sentamo-nos, eu e as crianças, no sofá – alguns ainda de pijama- pelas onze horas, enquanto o marido e pai desta casa fazia uma transmissão ao vivo das instalações da nossa igreja – lugar que carinhosamente também chamo de casa de oração. Ele já regressou, já almoçamos e estamos todos juntos novamente. São agora três da tarde, longe de o dia terminar.
Este é o primeiro domingo de um número indefinido, e já tenho saudades. Sou muito agradecida por esta invenção chamada Igreja. Graças a Deus pela Igreja do Senhor, e graças a Deus pela igreja local.
Não podemos viver sem ela, não fomos feitos para existir enquanto cristãos sozinhos. Não sou eu quem o digo, foi Jesus quem ensinou, o tempo todo que viveu nesta terra.
Em Efésios lemos que a Igreja era algo tão importante para o Senhor Jesus, que foi por ela que Ele morreu (5:25); na mesma carta, vemos como a igreja é o corpo de Cristo, que precisa de todas as partes ligadas, ajustadas e em funcionamento, para que se desenvolva, permaneça e cumpra a sua função. Estes tempos de pandemia têm demonstrado a anormalidade que viver sem o corpo de Cristo pode ser.
30 de Janeiro de 2021
Continuamos em casa. Queria tanto escrever sobre a importância da Igreja, mas não encontro palavras, só saudades.
14 de Março 2021
Praticamente dois meses se passaram e muitas foram as vezes que regressei a este texto, que o reescrevi e apaguei. No espaço de um ano, temos tido muitas restrições e mal sabia eu que este segundo isolamento duraria largas semanas e seria tão penoso. Com ele, estaríamos novamente impedidos de estar com família, amigos, igreja, permanecendo em casa sujeitos ao cansaço mental e falta de concentração.
As pessoas, até as menos exigentes na vida social como eu, queixam-se de falta de afetos. Não fomos feitos para viver sozinhos, e isso é lembrado na história da Criação. Mais do que uma mulher para procriação, Adão precisava de companhia. E Deus providenciou companhia para todos, de diferentes formas (“Não é bom estar só” – é o que ecoa em Gênesis).
Hoje é novamente domingo, a Primavera está para chegar. 21 graus é a temperatura e o sol brilha. Após oito semanas (OITO) regressamos à casa de oração. As medidas de segurança mantêm-se, e vemos parcialmente alguns dos nossos queridos. Estamos distribuídos por três serviços de culto, mas estamos de volta ao canto congregacional, ao louvor comunitário, à exposição da Palavra, à comunhão da Ceia do Senhor. Ah, não tem preço nem comparação possível.
Sempre que vozes se levantam para relativizar o assunto Igreja, há várias coisas que me lembro e que vejo na Bíblia como o padrão de Deus para a nossa vivência enquanto corpo de Cristo.
PESSOAS DE CARNE E OSSO, JUNTAS.
A primeira: Jesus veio em forma de homem. No Seu plano de salvação, Deus poderia ter escolhido muitas formas de o fazer, mas escolheu trazer um bebê, que cresceu no meio de nós, com carne e osso, para ser o Emanuel – Deus conosco.
Jesus constituiu o seu grupo de companhia, os doze discípulos, e com eles ensinava no meio das multidões. Jesus andou no meio de nós e deu o modelo de ceia do Senhor em refeição, ao redor de uma mesa.
Ser Igreja é viver junto, é conviver, é recordar, é amar, é exortar. Foi Jesus que inventou a Igreja! Ele foi bem explícito quando disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.” (João 14:23).
Encontramos também na carta que Paulo escreve aos Efésios a explicação de que Jesus nomeou os apóstolos para serem a fundação da Igreja e Ele como a pedra angular.
MUITO MAIS DO QUE UM LUGAR, MAS UM LUGAR
E é aqui neste ponto que pessoas relativizam sobre a necessidade da existência de um edifício, porque “a Igreja são as pessoas, não é a casa” e fazem disso um argumento para desvalorizar a importância da igreja local. Sim, é certo que a igreja é um conjunto de pessoas, não um lugar.
A igreja é um corpo, não um edifício. A igreja é algo que os cristãos são, não apenas um lugar aonde os cristãos se dirigem. Sim, também sei que a igreja é uma família que se deve reunir, estudar, comer, ter comunhão, orar e servir durante a semana, não apenas ao domingo. Eu sei dessas coisas.
Mas também sei que a igreja é marcada, conhecida e animada pelas suas reuniões regulares, rítmicas e ordenadas (“E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia. Hebreus 10: 24-25).
Um corpo que nunca está junto não tem vida nem funciona, da mesma maneira que uma família que nunca se vê ou se encontra, se desliga.
IGREJA É COMPROMISSO
Sem dúvidas, os anos de 2020 e 2021 mostraram claramente que louvor online não serve para um estado permanente. Transmissões de serviços de culto não têm rostos presentes e não têm pão e vinho partilhados.
Claro que tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias, e graças a Deus pela tecnologia. Mas não basta. Igreja implica trabalho junto, confissão junto, amar junto. É claro que pode ser, para muitos, mais confortável uma igreja à distância, em que não prestamos contas a ninguém, em que todos parecemos ter vidas muito direitas, em que mudamos de comunidade como quem muda de café. Mas igreja é feita para permanecer e comprometer para os tempos difíceis. É para isso que se fazem votos de casamento, certo? Os noivos prometem que ficam juntos na alegria e na tristeza, nos bons e maus momentos. Por quê? Porque se é fácil ficar nos bons momentos, nos maus, a vontade que dá é de ir embora.
A aliança que fazemos em igreja é precisamente idêntica: somos acordados quando queremos dormir na nossa inércia espiritual, somos incentivados quando somos firmes, encorajados quando cansados, somos chamados a sair do nosso egoísmo e a nos sacrificarmos como Jesus fez.
NÃO É SOBRE MIM
Pode ser que a música escolhida não seja o teu gosto de louvor, ou que o edifício não tenha o estilo mais confortável, ou que você encontre de imediato aquela pessoa mais velha que para te ensinar mais individualmente. A igreja onde você está pode não ser a igreja idealizada na tua cabeça, mas esses critérios em si não são a base de escolha ou de permanência numa comunidade de fé.
Se a tua Igreja prega a Palavra de Deus, pratica as ordenanças do Senhor, tem serviço ativo, então pense além de você mesmo. A igreja é mais do que conseguimos ver, e Deus tem um propósito para ela, mesmo quando as circunstâncias não parecem as ideais. Igreja são pessoas nas suas lutas, de diferentes idades, raças, contextos, e essa riqueza é única.
Em todos os momentos e em todos os lugares, a reunião dos santos é um meio de graça estabelecido por Deus para edificar o Seu povo. Os cristãos reúnem-se para adorar não porque é tudo perfeito, mas porque assim deve ser feito. Reunimo-nos porque o Deus que adoramos instituiu este encontro de pessoas como a principal forma de amadurecer, fortalecer e confortar. Não é apenas quando as músicas, orações, sermões ou aulas da escola dominical são certeiros e nos arrebatam a alma.
Encontramo-nos porque Deus edifica o seu povo por meio dos nossos encontros todas as vezes, em todos os lugares, sem falta, não importa como nos sintamos. Somos nutridos juntos para brilharmos o tempo todo.
TESTEMUNHO
“Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros". – João 13:35.
Jesus estava prestes a morrer e relembra os discípulos do que espera deles na sua ausência. A lógica é: eu vos amei, e é assim que vocês devem amar uns aos outros. Por causa disso, as pessoas notarão que há algo diferente em vocês, que se amam verdadeiramente. Espantoso! E como é que isto pode ser feito?
Vivendo em igreja, de forma visível. Se é certo que somos responsáveis na nossa individualidade por onde quer que passemos a sermos sal e luz no mundo, só sendo igreja em conjunto podemos espalhar o que é amar como Jesus amou. Servindo os outros, sendo igreja onde passamos, sendo hospitaleiros, servindo, sendo atentos.
Ser Igreja é único e maravilhoso, Deus pensa em tudo de forma perfeita e arquitetou este plano como parte fundamental do nosso caminho na terra, em preparação para o que virá na eternidade. O que iremos ser juntos por todo sempre: igreja em louvor e adoração, perfeitos e à imagem do nosso Senhor Jesus. Comecemos por imitá-lo aqui e agora.
* Esse texto foi adaptado para a língua portuguesa do Brasil. O texto originalmente foi escrito em português de Portugal e pode ser conferido aqui.
Ana Rute Cavaco é casada com Tiago e mãe da Maria, Marta, Joaquim e Caleb. É homeschooler e serve na Igreja da Lapa em tempo integral. Mora em Lisboa, Portugal e escreve em "Por aqui e ali"; faz parte do conselho do Benditas Blog, já escreveu para o Voltemos ao Evangelho e colabora com a Associação Movimento de Educação Livre.
Um dos mais significativos e belos textos que já li sobre a Igreja e a Vida da Igreja. Toda a verdade do tema permeia o artigo. Que sejamos todos desafiados e dispostos a viver assim o plano do Senhor Jesus para Seus discípulos.
-Douglas Fernando Crovador. PINHAIS, Paraná.