Texto por: Samira Basi
Ao longo da vida, principalmente se você cresceu em um ambiente cristão, é comum as pessoas perguntarem qual é o seu chamado. Por vezes, confundimos o propósito da nossa vida, nosso chamado, com a missão dada a nós. Primeiramente, precisamos ter claro que o propósito da nossa vida é conhecer a Deus, ter relacionamento com Ele e adorá-lo. Sabendo disso, neste texto quero refletir sobre missão.
No final de 2020, a Pixar lançou o filme “Soul” na plataforma de streaming da Disney. Eu, que amo animações, logo fui ver e fui impactada. Deus usou muito esse filme para ministrar ao meu coração e gostaria de compartilhar aqui tudo o que venho refletindo sobre isso.
Durante anos, achava que eu tinha uma missão específica de vida e, em todo esse tempo, lutei para vivê-la. À medida que ia me afastando daquilo que achava que era para mim, ia me frustrando. Isso gerava em meu coração um sentimento igual ao da personagem 22, do filme, afirmando em minha mente que eu não era boa o suficiente para realizar algo. O que eu não conseguia ver era que meu dia a dia completamente comum já estava gerando algo profundo em mim.
Foi quando o Senhor começou a mudar minha visão sobre eu mesma e me ensinou a não menosprezar a minha vida ordinária. Eu podia ser mediana em várias coisas consideradas algo fora do padrão, como fatores relacionados à arte ou à música, mas eu era boa em várias coisas pequenas...
No filme, 22 afirma que “eu sou muito boa em andar” e, depois de escutar essa frase, isso ecoou na minha mente por dias. Uma semana depois de assistir ao filme, eu me acidentei e, por um milagre, não perdi a visão do olho esquerdo. Lembro que após sair do hospital, enxergando ainda só com o olho direito, já que o esquerdo estava com os curativos da cirurgia, pensei “eu sou muito boa em enxergar”. Como uma verdadeira pessoa contemplativa, saber que continuaria enxergando com os dois olhos foi o melhor presente que poderia ter recebido – algo que nunca paramos para agradecer por ser tão normal, mas que é tão grandioso e que nos faz ter tantas experiências marcantes.
Todos os dias, nós temos a chance de adorar a Deus por meio de nossas ações, das pequenas às grandes. É no nosso dia a dia prosaico que Deus nos molda e nos torna mais semelhantes a Ele. Quanto mais paramos para admirar Sua criação e Sua graça em nosso dia a dia, mais nosso coração é inclinado a ver a beleza de Seu amor. Quando eu olho as obras de Suas mãos, elas me tocam de tal forma que meu foco se dissipa daquilo que eu acredito ser a minha missão porque, naquele momento, reafirmo meu propósito de adorá-lo, e isso é a única coisa que preenche meu ser.
Tish H. Warren afirma que:
Sermos curadores da beleza, do prazer e do deleite é, portanto, uma parte intrínseca da nossa missão, uma missão que reconhece a realidade de que a verdade é bela. Esses momentos de amabilidade, um bom chá, árvores despidas e sombras suaves, são sinos de igreja. Na minha miopia, eles me cutucam para que preste atenção e me lembram de que Cristo está em nosso meio. Ele é a música da verdade, cantada por seu povo ao redor do mundo, ecoando na minha rua ordinária, derramando até a minha sala de estar.
Assim, concluo que minha identidade não está naquilo que, por muito tempo, acreditei ser minha missão. Eu posso exercer uma função hoje e amanhã ser direcionada a uma coisa completamente diferente. Só que isso não exclui o fato de que eu sou filha de Deus, criada à Sua imagem.
Se meu foco está em acreditar que sou aquilo que faço, de que a minha missão é que molda meu caráter, corro o risco de viver em uma eterna frustração.
Nós, seres humanos, estamos sempre em busca de algo novo, que nos cause empolgação, mas, quando isso se torna habitual, já não o valorizamos mais. Joe, quando finalmente realiza o sonho de ser um músico profissional de jazz, pergunta “e o que virá depois?”, e recebe a resposta de “amanhã voltamos, e fazemos tudo igual outra vez”, se decepciona porque achava que, quando chegasse lá, tudo seria diferente e não uma sucessão de dias iguais.
A maior parte da nossa vida é feita de dias comuns, contudo diariamente Deus nos convida a olhar para o nosso cotidiano e adorá-lo nas tarefas mais triviais que realizamos, porque é no “repetitivo e no mundano que eu começo a aprender a amar, a ouvir, a prestar atenção a Deus e aos que estão ao seu redor” (Tish H. Warren).
Que nossos olhos possam estar abertos à presença de Deus em nossa vida ordinária. Que possamos ver o quão bom somos nas coisas mais pequenas, e quão belas elas são.
Eu confesso que ainda estou descobrindo minha missão e, enquanto isso, vou desenvolvendo minha sensibilidade em contemplar o prosaico. E quer saber? Descobri que eu sou muito boa em contemplar!
Samira Basi é formanda em Serviços Sociais e Letras Português-Inglês. É redatora, revisora de texto e conteúdo e serve na Igreja Batista do Bom Retiro em Curitiba.
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