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Gordura Saturada, Levítico e Graça

Texto por: Raquel Borges


 Fotografia: CottonBro


Gordura saturada, Levítico e Graça: Um olhar cuidadoso sobre Levítico


Quando eu era mais nova, odiava ler os últimos três livros do Pentateuco. Pensava: “pra quê esse tanto de nomes? Pra quê saber das festas e dos vários tipos de ofertas? Em que minha vida vai mudar se eu souber o que os israelitas podiam e não podiam comer?”. Hoje, já crescida, por vezes ainda me pego querendo pular essas partes, mas se essas passagens foram intencionalmente deixadas no Livro Sagrado, há um porquê.


Uma leitura rápida e desatenta de Levítico nos faz perder muitas coisas importantes. Este é um livro onde o Senhor Deus dita a Moisés as normas e leis para o povo israelita. Eles acabaram de sair de uma terra estrangeira, o Egito, onde viveram por muitos anos. Sem querer, os costumes e formas de viver daquele povo se tornaram comuns aos hebreus e o Senhor quis lhes mostrar que eles não viveriam da mesma forma. Por isso, Deus concede as mais diversas leis para que o povo israelita soubesse que eles possuíam Alguém para prestar culto — e contas também.


Em Levítico 7:22-25, o Senhor proíbe o consumo da gordura. Ela representava a melhor parte do animal e deveria ser oferecida a Deus em oferta. Como todas as leis cerimoniais, esta também tinha o objetivo de obedecer ao que o Senhor dizia, diferenciando-se dos povos vizinhos e apresentando-se a Deus em pureza e santidade. Mas, para além de seu propósito principal, essa lei trazia um benefício secundário aos hebreus: eles não ingeriam gordura saturada, sabidamente conhecida nos dias de hoje por seu alto potencial para desenvolver doenças cardiovasculares.


Um fato como esse não pode ser aleatório. O Senhor intencionalmente desejava proteger e preservar seu povo do pecado, mas também de problemas em seus corpos!

Se pararmos para observar com atenção, os mandamentos do Senhor não são meras proibições, mas concede clareza e discernimento para tomarmos decisões corretamente. Suas leis não nos privam, mas nos concedem vida e liberdade.


A liberdade em Cristo e nossa responsabilidade


Com a vinda de Cristo, as leis religiosas e cerimoniais foram resumidas em dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como amamos a nós mesmos. A verdade é que Jesus nos livrou não apenas do peso do pecado, mas também tirou o fardo dos muitos rituais. Agora, nós possuímos uma flexibilidade muito maior do que o povo hebreu. Porém, isso não

significa que nossa vida é mais fácil. Ser cristão e discípulo de Jesus sempre será sinônimo de renúncia das próprias vontades para cumprir aquilo que agrada ao nosso bom Pai.


Por vezes, isso se refletirá nas nossas escolhas alimentares. Um conceito teológico importante para nós é o coram Deo, expressão latina que significa “diante de Deus”. Aplicando essa ideia na nossa vida, passamos a entender que estamos sempre diante de Deus. Não podemos escapar de Seu olhar e isso deve produzir em nós um senso de responsabilidade e temor reverentes.


Tratando especificamente da alimentação, todas as vezes que sentamos à mesa, preparamos uma refeição ou fazemos um pedido de fast food, estamos fazendo isso diante de Deus. Será que entendemos a profundidade disso? Será que nossas práticas alimentares estão levando em consideração a presença constante de Deus?


Será que podemos dizer que glorificamos a Deus com nossa dieta, aquilo que habitualmente comemos?

No Novo Testamento, não vemos Paulo ou qualquer dos apóstolos afirmando a existência de alimentos puros e impuros. Na verdade, o próprio Senhor declara puros os animais (Atos 10:10-15). Não é o que entra no homem que o torna impuro, mas o que sai de seu coração. Ou seja, o que realmente importa são os desejos mais profundos e interiores.


O que nos leva a escolher, na hora do almoço, comer um combo de hambúrguer e batata frita ao invés de uma refeição completa (arroz, feijão, carne, salada)? Por que desejamos tanto aliviar nossa ansiedade com uma barra de chocolate ao invés de praticarmos as disciplinas espirituais de oração e leitura bíblica?


É claro que existem inúmeros fatores determinantes em nossas escolhas alimentares e o “comer emocional” nem sempre é um problema, mas precisamos dedicar ao Senhor essa área da vida e pedir a iluminação de seu Santo Espírito para nos mostrar qualquer tipo de raiz pecaminosa.


O próprio Deus habita em nós e Ele faz brotar o fruto do domínio próprio, bem como a moderação. Portanto, o foco principal dos filhos de Deus deve ser glorificá-lo, ou seja, cumprir seus mandamentos e obedecer à sua boa vontade.


Uma vida piedosa significa também uma vida equilibrada em todas as áreas, inclusive na alimentação.

Soberania sobre todas as coisas


A morte vicária de Jesus nos livra da prisão do pecado e nos concede uma nova vida Nele. A liberdade em Cristo não nos concede permissão para abusarmos de doces, frituras e alimentos que têm potencial para nos adoecer quando consumidos em excesso.


Cuidar do nosso corpo é cuidar da morada do Espírito Santo. É dever do cristão colocar suas emoções diante de Deus e pedir para que Ele sonde seu coração e motivações, estando vigilante para não depositar na comida o alívio que só o Senhor pode conceder.


Também é nossa tarefa nos alegrarmos e agradecermos a Deus por tamanha variedade de alimentos e preparações culinárias, louvando-o com ações de graças, seja comendo salada, seja comendo pizza. O Senhor, portanto, é soberano sobre nosso prato e nosso corpo, e uma vida que O agrade necessariamente será marcada por moderação e domínio próprio.



 

Raquel Borges é nutricionista e estudante de teologia/filosofia no Invisible College. Casada com Erik Morais, faz parte da Igreja Presbiteriana de Boa Viagem em Recife, PE.



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