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Turbulências na Caminhada Cristã


Texto por: João Weronka


Fotografia: Vlada Karpovich


Se você teve a oportunidade de assistir o filme de animação Up: Altas Aventuras, produzido pela Disney Pixar, deve recordar-se da cena em que a casa-dirigível do Sr. Carl Fredricksen atravessa o caos provocado por uma nuvem cumulonimbus. Mesmo aos gritos de alerta de Russell - o agitado escoteiro da animação - que já tinha identificado a tempestuosa nuvem vindo ao encontro deles, Carl Fredricksen só percebe o tamanho do problema quando de fato se vê dentro da tempestade. 


A cumulonimbus é uma nuvem de grande proporção e com potencial destrutivo associada a condições atmosféricas instáveis. Conhecida por sua imponência, é ligada a tempestades intensas, com trovões, relâmpagos, chuvas fortes e, por vezes, granizo. Sua presença indica condições meteorológicas adversas e desempenha um papel crucial na formação de fenômenos climáticos severos. O termo "cumulonimbus" deriva do latim, onde "cumulo" significa "acumular" ou "amontoar", e "nimbus" significa "nuvem de chuva" ou "nuvem de tempestade". Portanto, "cumulonimbus" pode ser traduzido como "nuvem de tempestade acumulada".


Em tempo: esse texto não tem nenhuma pretensão de aprofundamento no âmbito da meteorologia. Falar sobre essa nuvem é tão somente provocar uma conexão entre o fenômeno natural severo com algo tão agudo e desafiador quanto o enfrentamento de tal turbulência: nossa caminhada cristã. 


A caminhada cristã não é fácil, assim como viver, crescer e se desenvolver em toda e qualquer área da vida é desafiador. Conforme os anos passam, vamos descobrindo que nem todas as coisas na vida são tão simples e divertidas como pensávamos quando éramos crianças.


Na jornada cristã, em especial, este movimento não é muito diferente. Nem tudo é doce e brilhante e nem só de dias ensolarados se faz a vida.

E por tantas vezes é justamente nas adversidades (e diante das “cumulonimbus da vida”), que podemos enxergar a graça de Deus e seu zelo, aprender muito com aquilo que aparentemente se opõe e descobrir o que realmente tem valor para nossas vidas.


O livro de Atos dos Apóstolos apresenta diversos episódios cuja fé dos cristãos em geral e dos apóstolos em específico era moldada pelas adversidades. Por exemplo, o registro de Atos 16.12-40. Paulo e Silas estavam em missão conforme textos anteriores (junto com Lucas e Timóteo), e alguns fatos mostram conversões acontecendo através da pregação do Evangelho e pela obra do Espírito Santo (Atos 16.13-15). Deus estava com seus servos, assim como permanece com o Seu povo redimido nos dias de hoje. Talvez para muitos, a sequência de acontecimentos que foram se desenrolando possa soar como injusta para aqueles que estavam tão somente fazendo a obra de Deus. Vejamos.


O trovejar da religião como fonte de lucro


Passando pela maravilhosa experiência de compartilhar o Evangelho e ver corações – como o de Lídia, v.14 – se prostrando ao Senhor, encontramos mais uma vez a forma como a religiosidade pode servir como meio de aproveitamento aos que se tornaram escravos do dinheiro.


Tal prática, que pode soar contemporânea, não nasceu ontem. Ela está enraizada na história da humanidade como um culto cujo fim é a riqueza e o bem-estar, que nada mais são que ídolos do coração. Enquanto Paulo e Silas avançavam na pregação do Evangelho e na comunhão com os novos cristãos, uma jovem possessa “que tinha um espírito adivinhador” os seguia gritando uma suposta glorificação ao nome de Deus (v.17). Tal jovem servia tão somente como fonte de lucro aos seus senhores. Ela estava possuída por um espírito maligno e era explorada com finalidades de ganho financeiro.  


Há outros textos da Escritura que nos mostram – ainda em Atos – a luta da Igreja contra estas investidas. Veja, por exemplo, Pedro contra Simão em Atos 8.14 e Paulo com Bar-Jesus em Atos 13.4. No caso de Simão, seu ato pecaminoso passou a nomear a prática de aferir lucro no comércio do sagrado, também chamado por “Simonia”. A história da igreja ensina que este Simão (Simonia) passou a ser seguido por muitos e se autodenominava como “Manifestação do Deus Supremo”. Albert Mohler, inclusive, chama a nossa atenção para a importância de estarmos alertas aos desafios e investidas:


Seja sóbrio, nos é dito. Cinge os lombos do seu pensamento. Esteja preparado, fique alerta, seja vigilante. Seja um vigia no muro. Tenha seus olhos abertos. Esteja pronto para a ação. Esta é a nossa vocação como cristãos, mesmo quando a escuridão aumenta. Nós devemos ser a comunidade dos olhos abertos, intelectualmente alerta, de coração constrito e de esperança determinada. Realizar tudo isto vai exigir mais do que pensamento positivo.” [1]


Em Atos 16.16-19, diante de uma perturbação diária causada pela jovem possessa, que poderia levar as pessoas a desacreditar o Evangelho, Paulo ordenou que o espírito saísse da jovem, e este, sujeito ao nome de Jesus, foi expulso. A suposta glorificação da jovem, nada mais era que uma bomba de fumaça sincrética para desacreditar o Evangelho, de tal forma que John Stott comenta esse episódio dizendo “Mas por que um demônio se engajaria na obra da evangelização? Talvez o motivo final fosse desacreditar o evangelho, associando-o ao ocultismo, nas mentes das pessoas” [2].


Ao final, Deus foi verdadeiramente glorificado, enquanto a fonte de lucro de feitores perversos secou. Não houve júbilo e nem alegria no coração destes homens, mas decepção tal que denunciaram Paulo e Silas às autoridades, que em praça pública foram acusados e espancados sem chances de defesa.



Fotografia: Xue Guangjian


Muitos de nós se indignariam diante de Deus com perguntas do tipo “Por que? Qual o motivo, oh Deus!? Por que sofrem estes que fazem o bem?”. Paulo e Silas estavam fazendo a obra de Deus e ainda assim foram injustamente condenados.


A Verdade não trouxe alegria aos ímpios. Muito tem a ensinar o texto de Atos 16.20-24. Por mais que a jovem estivesse livre, o que realmente interessava e pesava era o lucro perdido. Além disso, aprendemos que todo aquele que se propõem a guardar e proclamar o Evangelho deve estar atento, em alerta constante e preparado para ferrenha oposição e “revolta dos magistrados” que declaram guerra contra Paulo e Silas.


Paulo cura a menina; no entanto, o bem, em vez de trazer-lhe glória e gratidão, trouxe-lhe açoitamento e prisão. Há um dito popular que diz: ‘Não há mal que não traga algum bem’. Talvez também devêssemos dizer o oposto: ‘Não há bem que não traga algum mal’. Talvez isso seja um tanto exagerado, mas, com frequência, é verdade. Vivemos em um mundo caído que, por essa razão, é dominado pelas estruturas do pecado. Por isso, quando nos opomos ao pecado, estamos nos opondo aos interesses de alguém. Paulo cura a menina; mas ao fazer isso, ele prejudica os interesses econômicos dos donos dela, que, portanto, acusam-no e conseguem que seja açoitado e preso.” [3]



Suportando o granizo das adversidades 


Eis a cena com Paulo e Silas. Trancafiados injustamente, açoitados, pés presos ao tronco; entoavam louvor a Deus, orando e cantando hinos. Deus em Sua bendita providência respondeu rompendo as cadeias e colocando o injustiçado em liberdade. A resposta de Deus não era um fim em si própria, mas um meio de fazer uma obra ainda maior e trazer glória ao nome dele mesmo. A liberdade que Deus proporcionou aos Seus servos foi o bálsamo restaurador ao injusto castigo que lhes foi conferido sem a menor possibilidade de defesa.


A história se desenrola, e novos nomes e feitos surgem. Diante de tais maravilhas, o maior dos milagres chega à casa do carcereiro. Aquele que estava outrora separado e apartado, distante da aliança, agora pode se achegar à graça salvadora de Jesus: “Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” pergunta este homem no verso 30.


Perceba que somente àquele cujo Espírito de Deus colocou a consciência de estar perdido e condenado, pode clamar para ser salvo. É uma poderosa obra que o próprio Espírito de Deus realiza, trazendo mortos para a vida. Naquela mesma noite, não somente o carcereiro como todos os seus foram alcançados. Era Deus – dentro do Seu tempo e propósito – produzindo o bem das circunstâncias que apenas registravam o mal e a injustiça.


Não há nada de mágico neste contexto e neste versículo em específico (“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” Atos 16:31), uma vez que a salvação de um indivíduo não depende da crença de outrem. Foi pela ação soberana, amorosa, graciosa e misericordiosa de Deus e pelo poder de Sua palavra que o Evangelho pregado alcançou morada e a contemplação da misericórdia divina.

É Ele quem rompe as tempestades e as densas trevas com Sua luz. 

Concluindo e vivendo 


Depois de toda a luta enfrentada, mesmo fazendo aquilo que estava certo e que era serviço de adoração para Deus e Seu Reino, ainda que diante da injustiça dos homens, Paulo e Silas não esmoreceram na fé. Não desanimaram, pelo contrário, houve ainda tempo de retornarem aos irmãos recém-convertidos e os encorajarem. Deus deu a estes homens a oportunidade de ver o fruto de seu trabalho.


Esta é nossa luta e trabalho constante no Senhor. Ainda que sob o céu nublado das adversidades, diante de cumulonimbus carregadas e assustadoras, é possível ver a graça de Deus presente, e ainda que tudo possa parecer desfavorável, o Senhor pode fazer daquilo que é mal, o bem.


Confiança é algo que se constrói na certeza de estarmos com Deus em nosso dia a dia, e mesmo que tudo pareça difícil, sempre haverá oportunidade para consolar e encorajar o próximo, ainda que muitas adversidades nos possam parecer injustas.


Falando mais um pouquinho sobre o filme Up!, após passar pela tormenta, raia o sol. Em nossa peregrinação como forasteiros, mesmo que haja nuvem e chuva, o Sol sempre está ali.


É no caráter do Senhor que confiamos e podemos seguir fortalecidos nEle e na força de seu poder (Ef 6.10).

Nas palavras de J.I. Packer: “É dessa forma, pela graça, que o Deus da graça sobrenaturaliza a vida natural, corporal e mortal de todos aqueles que, pela fé, estão em Cristo, unidos a ele pelo Espírito Santo, desfrutando de poder e contentamento eternos. A esperança ensinada por Deus leva ao fortalecimento dado por ele. Quando somos humanamente fracos, então somos fortes no Senhor. Assim era para os apóstolos e seus consócios, dois mil anos atrás, e é assim que pode e deve ser hoje para você e para mim.” [4]


Vamos prosseguir, olhando sempre para o Sol da Justiça. 



 


João Rodrigo Weronka, formado em teologia e economia. Casado com Cristiane e pai da Rebeca. Faz parte da Família dos que Creem em Curitiba, PR.



Notas:


[1] MOHLER, Albert. O desaparecimento de Deus. Ed. Cultura Cristã. São Paulo: 2010. p. 128


[2] STOTT, John R.W. A Mensagem de Atos. ABU Editora. São Paulo: 1994. p. 298


[3] GONZÁLEZ, Justo. Atos. Ed. Hagnos. São Paulo: 2011. p.232


[4] PACKER, J.I. Força na fraqueza. Ed. Vida Nova: 2015. P.93




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